Notícia de Jornal
Janelas do 14° andar são perigosas para um coração despedaçado.
E o seu estava. Não sabia o que a vida lhe reservara. Sem saber qual seria o seu futuro, vivia seu passado, sem perceber o presente.
Não que seu passado tivesse sido tão bom assim. Na verdade, tinha sido ruim. Mesmo péssimo, melhor do que o futuro, cuja opacidade – antes de maquiar uma possível feiúra – mascarava uma provável beleza.
Beleza mais provável do que nós (os depressivos) podemos supor. Beleza quase certa. Pena que isso não fosse do seu conhecimento.
Pontes são caminhos, e caminhos unem dois pontos. Os dois únicos pontos de sua vida eram o inesquecível ontem e o desconhecido hoje. Desde que eles, os tempos, se separaram, tornou-se necessária a construção de uma ponte.
Depois de alguns anos a obra foi inaugurada. Parece que nesta frase faltou ‘de obras’, mas não faltou, não. Não foram anos trabalhando para que a ponte saísse do papel. Um dia Deus disse: “Haja ponte”.
Toda inauguração é motivo de festa. Não falo da comemoração popular, com palmas. Falo do festim que acontece depois. Na verdade, um festão para poucos.
Assim foi a inauguração daquela ponte: uma festa para poucos. Só para os dois. Mas depois de cortada a fita, após a passagem do primeiro sentimento, a ponte começou a perder seu cheirinho de coisa nova.
Depois de ser aceita como parte da paisagem, às vezes chegando à categoria de cartão postal, a ponte simplesmente sumiu. Mas não tão bruscamente como surgiu, não. Seu desaparecimento foi lento, observável. E não foi simples.
Mas, como a ave mitológica, a ponte ressurgiu. Brilhante como uma árvore de natal iluminada. E voltou a fazer parte da paisagem, além de virar um espetáculo noturno.
E a cidade continuou vivendo.
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Mas como eu dizia, janelas do 14° andar são perigosas para um coração despedaçado. Especialmente com panorama tão tétrico: um céu noturno nublado e a chuva caindo, quase invisível, umedecendo as ruas desertas. Uma noite sem luz de lua nem de gente.
Isso mesmo: não havia luz na cidade. A luz só vinha dos geradores, e o único gerador à sua frente funcionava exclusivamente para a ponte.
Naquela noite, parado em frente à janela, tudo o que seus olhos podiam ver eram a ponte. Se desfazendo.
Não deve ser bom ver sua única ligação com tudo o que lhe importa, seu tudo, dissolver-se sobre uma… baía.
Com tanta escuridão, seus olhos não conseguiam detectar mais nada, senão o chão, refletindo a luz de um dos muitos holofotes da ponte.
Numa tentativa desesperada de se aproximar tanto quanto possível da razão de sua vida, ela se jogou do 14° andar.
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Mas o jornal não divulgou nada disso. Disse apenas “jovem se joga do 14° andar”. Só se ateve aos fatos. Sentimentos pessoais não interessam à massa.
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postado originalmente em http://airtonbolquett.wordpress.com/