Um conto de sonhos

A volta do trabalho lhe traria boas surpresas naquela noite. Isso, quando tudo parecia estar contra ele. Largara mais tarde, por volta das 23h e se pegara sem condução. Seu companheiro de escritório, que sempre lhe dava uma carona, tinha um encontro romântico e desculpou-se por não poder levar-lhe de volta para casa. Perguntou-lhe se precisava do dinheiro pro táxi e ele negou educadamente. Na verdade, não viera preparado e lhe restara no bolso apenas alguns trocados. Mas não seria ele a estragar o encontro do amigo.

O amigo saiu apressado, deixando cair uma rosa vermelha do buquê que comprara pra sua amada. Apanhou a rosa e colocou-a suavemente no bolso da camisa, já que não usava nunca paletó. A rosa ajustou-se ao tecido e ele caminhou em passos lentos pelas ruas, disposto a tentar pegar o último ônibus da noite. Olhava distraidamente as vitrines coloridas e iluminadas, sem se fixar em nenhuma. Foi quando a viu.

Sentiu o olhar triste parado na flor, e olhou aquela figura feminina com mais atenção. O rosto bonito, emoldurado pelos cabelos negros de médio tamanho, deixava transparecer uma infeliz solidão. Ela sentiu o olhar insistente dele e desviou seus olhos, timidamente. Demorou um pouco e olhou de novo, deparando com o sorriso simpático e o olhar interrogador do rapaz. Apressou o passo querendo livrar-se daquela sensação que a fazia enrubescer as faces. Na verdade, queria mesmo era se afastar dali, para que não se visse o sorriso de simpatia por ele. Tarde demais.

Ele apressou também seus passos e retirou a flor de vermelho vivo do bolso da camisa, com cuidado para não amassá-la. Aproximou-se por trás dela, quase encostando no seu corpo, e falou baixinho:

- Troco esta rosa pelo teu nome!

Ela estremeceu do susto que causou a voz e a atitude repentina. Mas logo relaxou ao perceber que era ele. Recebeu a flor da mão que a oferecia e respondeu timidamente:

- Menina Triste. Mas pode me chamar de Solidão – sorriu meio sem jeito, como se tivesse contado uma piada sem graça.

Ele não disse seu nome. Apenas a tomou nas mãos, atrevidamente, e perguntou, num sorriso:

- Dançamos esta música?

O rosto da moça não escondeu o espanto por aquela pergunta insólita.

- Que música? Não ouço nenhuma – respondeu ela ainda sem entender.

- Eu ouço. A música do teu coração. Uma valsa triste e solitária. Vem, acompanha o ritmo do meu pensamento. Deixa-te enlevar pela melodia dos teus sentimentos – disse ele.

- M-mas... Eu não sei dançar! – O espanto da moça agora está mais próximo de um pânico repentino.

- Ora, mas que poetisa não sabe? Siga o compasso da tua poesia, a melodia dos teus desejos, o ritmo da tua imaginação e não se preocupe. Eu te acompanharei! - Disse ele resoluto.

E dançaram. Dançaram sem se preocupar com quem passasse naquela hora. Os passos soltavam-se liricamente no compasso daquele encantamento.

A rosa roçava o rosto da moça, cada vez que rodavam, como em um balé, em torno da felicidade dela. Então ela tomou uma coragem repentina:

- Me dá um beijo? - Disse quase sem sentir – Um beijo suave como as pétalas dessa rosa?

E o beijo foi assim. Tocando suavemente os lábios. Entreabrindo a boca em um leve toque sensual. A doçura dos lábios, o hálito com cheiro de primaveras, o toque da língua molhada adentrando bocas como se penetrasse o mais íntimo dos desejos. Mesmo a noite estando quente, ela sentiu um gostoso arrepio. E se entregou a esse beijo, não se sabe durante quanto tempo. Talvez uma eternidade.

Depois, sem nem abrir os olhos, ela lembrou de perguntar:

- Dize-me teu nome?

Ele não respondeu. Mas ela ouviu lá no fundo da alma:

- Sonho. Meu nome é Sonho. Mas pode me chamar de Amor...

Angelo Tomasini
Enviado por Angelo Tomasini em 18/03/2009
Reeditado em 19/03/2009
Código do texto: T1492960
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