Sobre Morangos e Saudade


    Vovó e vovô agora tinham mais uma razão para amar a vida: um netinho de três anos, esperto, sonhador e bagunceiro.
    Vovô plantou, nas jardineiras que ficavam na varanda do partamento, várias mudinhas de morango para ver o netinho saborear a fruta.  Tratou delas com carinho, água e uma espécie de adubo chamado torta de mamona. 
    O resto ficou por conta da magia da natureza. Frutos lindos foram aparecendo e o netinho já estava ansioso para colhê-los. Vovô e vovó tinham que conversar muito com ele para explicar que eles ainda estavam verdes e que, só depois de vermelhinhos, é que poderia saboreá-los.
    Flavinho, o neto, nutria um apego especial ao seu pai e a sua mãe. Às vezes, ele ficava muito tristinho. Sabem por quê? O papai de Flavinho trabalhava numa cidade grande, que ficava a muitas horas de viagem da cidadezinha onde o menino morava com sua mamãe e só podia vê-los nos fins-de-semana ou nas férias.
    Um dia, depois de um fim-de-semana muito alegre, Flavinho foi visitar a vovó e o vovô, numa segunda-feira. Estava tão triste, tão triste, tão triste que não conseguia brincar com nada, não se interessou pelos desenhos animados, nem pelos livrinhos de histórias, nem pelas cantigas que vovó cantava acompanhando-se ao violão. 
    Vovó e vovô ficaram com tanta peninha que começaram a chorar e, ao mesmo tempo, a pensar o que poderiam fazer para tirar a tristeza do coraçãozinho do neto.
    De repente, ouviram-no gritar:
    - Vovó, vovô, olhem que luz bonita lá na varanda! Vamos até lá! Eu quero ir lá!
    Os adultos não entendiam o que estava acontecendo, pois não conseguiam ver luz especial nenhuma. Levaram o neto e, lá fora, perceberam que ele se dirigiu para os canteiros de morango e aí, sim, entenderam parte do que estava acontecendo: os frutos vermelhos tinham uma aparência tão exuberante que pareciam cintilar. Antes de colhê-los, Flavinho conversou com alguém que parecia aos adultos um amiguinho imaginário. Depois, muito delicadamente, colheu os frutos, mas teve o cuidado de deixar alguns. Dirigindo-se aos avós falou, entre risos e lágrimas:
    - Meu anjinho da guarda estava ali comigo. Ele me disse que meu papai me ama e que é meu melhor amigo. Que ele nunca vai me abandonar. E fez estes moranguinhos amadurecerem porque eles servirão de remédio contra minha saudade. Toda vez que eu tiver com muita saudade do meu papai, é só comer destes moranguinhos que vou me sentir melhor.
    - Então, vamos lavar as frutinhas, para você comê-las depressa, disse a vovó.
    Quando Flavinho acabou de comer as frutinhas, ja estava com uma expressão no rosto muito mais alegre.
    Seu avô perguntou: 
    - E então? Estavam gostosos?
    - Uma delícia! Não viu como estavam lindos, vovô?
    Agora foi a vez da vovó perguntar:
    - Por que você não quis colher os outros?
    Não, vovó, respondeu o menininho com os olhos bem abertos. Meu anjinho da guarda me disse que meu papai também sente muita saudade de mim. Assim, quando ele chegar, a gente vem aqui e eu colho os outros moranguinhos para ele. Então, quando a saudade quiser que ele chore, o morango vai salvá-lo da tristeza. Vai lembrar que ele é mais forte porque eu estou sempre aquecendo seu coração, assim como ele aquece o meu. Foi isso que meu anjinho me disse e ainda falou: " Não importa que vocês estejam distantes. Seus corações estão sempre unidos."
    Vovô e vovó choramingavam disfarçadamente para que Flavinho nada percebesse. Agradeceram a Deus por aquela graça e os pés de morango, desde então, jamais deixaram de frutificar. Era um sinal da bondade divina. Vovó e vovô respeitavam esta certeza. Tanto, que transformaram-na em saboroso silêncio.
Flávia Melo
Enviado por Flávia Melo em 17/03/2009
Reeditado em 17/03/2009
Código do texto: T1491706