Memórias que guardei

17 de Agosto de 1983

Há dois meses sofri um acidente onde perdi os movimentos dos meus membros inferiores. Houve um impacto muito forte quando fui atirado para fora do carro, e perdi meus sentidos. Não sou capaz de sentir um tato, não sinto calor e nem frio, não sinto o paladar, não sinto o olfato. Depois de algumas semanas do acidente, descobri que perdi minhas memórias. Sofri uma amnésia.

29 de Agosto de 1983

Às vezes quando como algo que me era predileto (segundo o que me contam), posso sentir superficialmente o gosto, porque me lembro do gosto, apenas uma sensação, nada é exato ou concreto para mim. Choro várias vezes no dia, porque queria sentir alguém passando a mão sobre os meus cabelos com intuito de me confortar, porque queria dizer se está calor ou fazendo frio, ou que ao menos pudesse sentir os aromas. É um silencio atordoante, inquieto, magoado e sem delicadezas.

30 de Agosto de 1983

Há algo estranho em tudo isso, o seu rosto. A sua presença não me é estranha. Quando tu entraste pela primeira vez pela porta do meu quarto, notei que conseguia respirar, notei que contigo eu conseguia sentir estranhos aromas, porém, em perfeita sincronia. Contigo eu sentia arrepios, e quando tu me acariciavas eu sentia nostalgia. Podia sentir o gosto de teus beijos. Com certeza, éramos felizes antes de tudo isso acontecer, antes de eu ser condenado a essa cadeira de rodas. Algo muito bom. Contigo aqui me lembro de coisas que vivo e aprecio pela primeira vez em forma de memórias guardadas, como se abrisse pela primeira vez uma caixinha com objetos de quando era criança. Sinto que contigo eu posso viver mais, mesmo neste estado. Sinto que não é a primeira vez que digo que eu te amo. Sinto que não é a primeira vez que degusto o teu perfume, sinto que não é a primeira vez que aprecio o teu gosto. Sinto que não é a primeira vez que eu me apaixono por ti. E a tua voz, ela me cura das tristezas que tanto me transtorna.

02 de Setembro de 1983

Recordo, com o tempo, de pequenas risadas soadas nesta cama, será que eram contigo? Não sei por que ainda me pergunto isso se sei que prefiro acreditar que sim. Que tu foste a pessoa mais importante na minha vida. Sinto-me protegido e confiante quando tu dormes comigo.

15 de Setembro de 1983

Hoje tive certeza de que o meu amor por ti foi o sentimento mais puro que mantive em mim. Saber que tu estavas comigo no carro no dia do acidente, e que tu não resististe aos ferimentos me destruiu, mas há fatos que comprovam que tu estás comigo, ainda, aqui, do meu lado. Porque essa proteção e refúgio que sinto agora não pode ser outra coisa a não ser tu, que apenas perdeu o teu corpo, mas estás aqui, e posso te tocar.

Vou te amar para sempre.

Para você, GN, com todo meu amor.

PR Lima
Enviado por PR Lima em 15/03/2009
Reeditado em 04/04/2009
Código do texto: T1488436
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