O CAIS AINDA EXISTE!
(Para Claraluna)
 
Ele vinha todos os anos, aportava seu navio imenso no cais daquela pequena cidade litorânea, conhecida pelo importante porto de importações e exportações para o resto do mundo. Ela o conhecera lá mesmo, quando, uma tarde, passeava pela praia, admirando o vai e vem dos grandes petroleiros, sonhando embarcar um dia naquela que seria a viagem dos seus sonhos!
 
A tarde quente e a brisa suave que soprava do continente, tornavam aquele panorama ainda mais belo e sedutor. Clara sentou-se na areia, olhos fixos no horizonte, sonhando com o homem que a levaria dali para conhecer o mundo. Sua vida não haveria de terminar naquele pequeno povoado, onde nascera e vivera até agora. No auge de seus quarenta anos, ela ainda sonhava com o amor que um dia conheceria e a faria feliz!
 
Ele aproximou-se, vagarosamente, para não assustá-la, tão absorta estava em seus pensamentos, permanecendo por alguns momentos apenas admirando aquela figura de mulher, sentada na areia, pés descalços, linda! Seria uma sereia? Uma deusa do mar?
 
Clara voltou-se para ele, como que pressentindo a sua presença. Apresentaram-se:
- Sou Jorge, comandante do navio Estrela do Mar.
- Muito prazer, meu nome é Clara... Sorriram um para o outro.
 
Começaram a conversar sobre tantas coisas e foram descobrindo afinidades jamais sentidas, de ambas as partes. A noite já ia entrando pela madrugada e eles nem se deram conta! Levantaram-se e andaram pela areia, chutando as pedrinhas, recolhendo conchinhas. Era como se já se conhecessem há séculos!
 
Aquela noite ficara na memória de Clara como um sonho irreal, impossível de se acreditar. Ela, que sempre vivera ali naquele povoado, que jamais conhecera o amor, entregara-se aquele desconhecido, na areia branca da praia, à luz de um luar secretamente cúmplice da paixão improvável, que tomara conta dos dois.
 
Não arredaram pé dali. A noite fora de palavras coroadas de amor e promessas de breve retorno. No mês seguinte o navio deveria aportar novamente no mesmo cais e Jorge a levaria com ele. Só precisava de um tempo, pouco tempo! Ele não saberia mais viver sem ela, depois de ter conhecido o verdadeiro amor. Coisa incrível, mas verdadeira! O amor dispensa tempo, precisa apenas de duas pessoas dispostas a se entregarem plenamente.
 
Clara esperara durante todo o mês, preparando-se como uma noiva ingênua para recebê-lo de volta. Já havia se passado trinta dias, desde aquela tarde em que se reconheceram companheiros ideais para o resto da vida. Amanhã ela o abraçaria novamente.
 
Ela não conseguira conciliar o sono durante toda a noite e, na manhã seguinte, bem cedo, lá estava ela, à beira do cais, esperando por seu amado. Ouviu o apito do navio. Era o seu comandante que chegava. Era o seu amor! Quando a tripulação desembarcou, Jorge não aparecera. Dele, apenas uma carta e fotografias, do mundo que ela sonhara tanto conhecer. Entregaram-lhe um pequeno baú com suas lembranças, a seu pedido. Havia contraído febre tifóide, a bordo do navio, em alto mar, e não resistira. Dele, apenas a carta, de letras trêmulas, que escrevera antes do fim.
 
- Eu te amo e vou esperar- te do outro lado do horizonte, minha doce amada!
 
Clara vai, todas as tardes para a beira do mar, senta-se na areia branca, fixa o olhar no mesmo horizonte, ao largo do oceano e sonha. O cais ainda existe, os petroleiros continuam chegando e partindo e ela espera o dia em que se juntará a Jorge, o comandante do Estrela do Mar, único e grande amor de sua vida!