A sexta-feira
Voltou para casa a pé. Passou pelas pessoas, cachorros, carros.Tolerou o calor do asfalto e a frieza dos olhares.
Era apenas mais uma na multidão, um espaço ocupado na calçada, andando mecanicamente, mente distante.
Finalmente, chegou em casa, abriu a porta.Ironia, já que tantas na sua vida se fecharam...Escancarou as janelas, aspirou a vida lá fora, como se o ar fosse um milagre, carícia em forma de brisa.
A casa organizada contrastava com a desordem do ser: por fora, ritmo impecável, por dentro, confusão sem fim.
O telefone tocou, ela não atendeu, estava perdida num outro tempo, onde as lembranças imperavam.
Fazia sol, ouvia o mar, numa rede, balançando, entre sorrisos e conversas, onde o dia inundava o corpo e os beijos coloriam a alma.
Uma época em que não tinha idade, passado ou futuro, só um abençoado presente, lindo momento de luz.
A realidade chegou e, com ela, a queda...O retorno ao mundo cinza, que por vezes se tingia de outras cores ao abrir os olhos para o passado, para tão belos dias.
Lutava com o tempo.Às vezes, aliava-se a ele, quando racionalmente entendia que era melhor esquecer.Pouco depois traía a si mesma, relembrando, saboreando sentimentos tão ricos.
Não queria perder a esperança.Esquecer aquele rosto seria, talvez, enterrar o amor num jardim inalcançável, num labirinto ao qual não poderia mais voltar.
Não podia perder a esperança, pois um novo ser crescia dentro de si.Não estava grávida, mas gerava novamente a si mesma, aquela criança esquecida, cheia de sonhos e sedenta de amor.