Um conto leve

 
Ela olhava pela janela do táxi a paisagem que corria rapidamente diante dos seus olhos.Garoava fininho e era início de noite. Arriscou um coração no vidro embaçado.Embora já tivesse passado por aquela experiência três vezes, estava ansiosa.Quem sabe dessa vez desse certo?
 
Tinha medo de dirigir.Trabalhava perto de casa e todos os dias apanhava um táxi.No início vinha buscá-la qualquer taxista, mas com o tempo, preferiu a exclusividade dos serviços de Gilmar, motorista atencioso ao trânsito e muito discreto.
 
Assim que o veículo parou no local desejado, o taxista desceu com um guarda-chuva bem grande e a conduziu até a porta do barzinho dizendo:
 
-Boa sorte, Dona Aline!
 
O motorista sabia por alto das tentativas da garota, pois ela lhe contava algumas coisas em tom de desabafo no meio do trajeto.Era um bom ouvinte.Não palpitava.
 
A moça apertou a boca e levantou as sobrancelhas num gesto simultâneo.Gilmar entendeu que aquilo significava um agradecimento e saiu com seu carro pelo asfalto molhado.
 
Aline entrou no barzinho e não demorou a reconhecê-lo: ao contrário dos anteriores, esse era tal como a foto. O homem levantou-se e aplicou dois beijos empolgados em seu rosto apertando –lhe os dois braços com as mãos.Ela retraiu-se, mas tentou disfarçar o susto que tinha levado com o jeito abrutalhado do rapaz.
 
Enquanto ele olhava o cardápio, Aline o examinava: moreno, bonito, lábios grossos, dentes alvos.Fisicamente era interessante, não restava dúvida.A agência havia arranjado-lhe um pretendente bem atraente dessa vez.
 
-         Xiii, vou torcer pra escapar do bafômetro hoje- disse ele- mas não perco por nada o festival de caipirinhas desse lugar.Nossa! Caipirinha de kiwi, de frutas vermelhas, amarelas, tradicional....acho que vou experimentar todas...hahahahaha...e você, o que vai querer?
 
Deu um sorriso amarelo e tentou, mais uma vez fingir naturalidade diante do “bebum”:
 
-Fico no suco de laranja mesmo...
 
Enquanto o cantor estragava sem remorso uma música de Djavan, eles seguiam uma conversa que não empolgava muito a solteira.Ele era meio chato, fazia piadas sem graça, bebia uma caipirinha atrás da outra e ria alto.
 
Mas saíram de lá namorando: ela queria tentar.
 
Um mês de relacionamento, uma escova de dente que não era dela apareceu no banheiro. Não tardaram o aparecimento de roupas sujas para serem lavadas e passadas.
 
Mas a gota d’água foi quando Rodrigo decidiu convidar uns amigos na ausência dela para fazerem um festival de caipirinha de frutas.Havia pegado umas receitas na Internet e queria testá-las.Foram encontrados, posteriormente, pedaços de pêssego em calda dentro  criado-mudo seminovo da secretária!!! Sem hesitar, ela o mandou beber em outra freguesia.
 
Algum tempo depois, ainda triste, a balzaquiana pôs uma roupa bonita e chamou um táxi.
 
Assim que o motorista parou no endereço dado por ela, a passageira disse com ternura na voz:
 
-Desce comigo!
 
Ele desceu.E viveram felizes para sempre, como em qualquer casamento comum.
 
 

(Maria Fernandes Shu – 21 de fevereiro de 2009)


*Sugestão de tema dado por Nilsson: táxi


 
 
 
 
Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 21/02/2009
Reeditado em 01/05/2009
Código do texto: T1451312
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