Solidão

Ele era apaixonado por Sandra, mulher afetuosa e delicada, que dividia o seu tempo, equilibradamente, entre o marido e os cinco filhos, dois deles já independentes, mas ainda solteiros e vivendo com os pais. Quem convivia com o casal poderia jurar -de pés juntos- que eram felizes e que a alegria uma constante em suas vidas, apesar das dificuldades financeiras pelas quais passavam.

Um dia, caminhando pela cidade, cruzei com meu amigo Fausto entregue à um profundo sofrimento; com os seus olhos azuis completamente congestionados por um choro, que, provavelmente, era-lhe impossível segurar.

Perguntei-lhe -cheio de dedos- o que acontecera, e ele, desabando em nova crise de soluços, disse-me que a sua amada Sandra pedira o divórcio... Seus olhos, ao me dizer aquilo, deixavam transparecer um espanto febril; mergulhado numa perplexidade que se alternava, perigosamente, com breves e raivosos lampejos de indignação:

-Como ela pode fazer uma coisa dessas comigo, logo comigo que sempre fui um marido amoroso, fiel e cumpridor dos meus deveres?

-Será que o destino, só de sacanagem, trouxe para Sandra uma nova paixão? Desmoronando com a minha vida...

-Haveria alguma coisa que pudesse ser feita para trazê-la de volta aos meus braços?

Fausto fazia-me essas indagações -olhando-me ansiosamente- exigindo respostas, como se eu as soubesse; como se estivessem presas na ponta da minha língua...

Na verdade, a surpresa da situação era muito grande, pois eles formavam, aos olhos de todos, um casal exemplar: Apaixonados, companheiros, cúmplices; sempre rodeados por um batalhão de amigos que desfrutavam daquela sensação de aconchego transmitida pela felicidade. Estar ao lado deles era uma satisfação muito peculiar -reconfortante- como se estivéssemos completamente livres da incômoda presença da solidão.

A solidão, que reina dentro de nós, absoluta, mesmo que não saibamos disso; quando nos atinge sem as armaduras que, ao longo da vida vamos construindo para amortecer os choques de suas investidas, torna-se uma força arrasadora, não deixando pedra sobre pedra que nos faça lembrar do mundo que havia antes que ela chegasse. Era esse o sentimento que, naquele momento, dominava Fausto, pego que fora de surpresa, e, infelizmente, desarmado em suas defesas.

Desprezada, mal vista e evitada; da qual fugimos -como o diabo da cruz- entregando-nos a qualquer entretenimento banal que nos faça esquecê-la, a solidão talvez seja o gancho no qual devamos segurar se quisermos, um dia, dar o derradeiro salto ao encontro do lado A que habita em nosso ser -conhecido apenas em raros e ligeiros vislumbres- pois, parte fundamental da nossa intimidade, ela também é o nosso mais forte sustentáculo.

Chegamos absolutamente sozinhos nesse mundo e o deixaremos da mesma forma, mas, por incrível que possa parecer, é dela que nós sentimos o medo mais aterrorizador; daquela que esteve e estará sempre presente nos momentos cruciais de nossa existência, fazendo eco às nossas fraquezas e a nossa desesperança...

- Como se alguém tivesse soprado em meus ouvidos, eu afirmei, com total segurança:

- A solidão é a ladra que está lhe roubando a sua querida Sandra.

- Estás ficando louco, disse-me Fausto com raiva e com uma expressão de desprezo, completando em seguida:

- Nunca demos a menor margem para que a solidão se aproximasse...

- Por isso mesmo, disse-lhe, quase pedindo desculpas...

- Não entendi. Tu estás tentando me dizer que não deveríamos ter evitado a solidão?

- Não, o que estou tentando lhe dizer é que a solidão é inevitável, além de sorrateira, murmurei baixinho, e depois, tomado de coragem acabei por fazer um longo discurso sobre o que eu pensava da solidão, tentando convencê-lo a aceitar sem grandes desesperos, aquele triste, e, pelo jeito, irreversível acontecimento.

Continuando, eu arrisquei dizer-lhe:

- E se ela tivesse morrido? Você aceitaria sem lamentações?

Retrucou-me, dizendo: -Sem lamentações eu não sei, mas... Fazer o quê perante a morte?

Aproveitando a deixa, eu lhe disse:

- A solidão é a sombra da morte que nos acompanha desde sempre, seguindo nossos passos pela vida afora. A solidão -juntamente com a morte- são as únicas certezas que temos, de fato, ao longo da vida, e, por isso mesmo, devemos tratá-las com a dignidade e a reverência que elas merecem.

Fausto olhou-me -no fundo dos olhos- mostrando-me, com todas as letras, que não acreditava numa só palavra que eu estava dizendo; continuando em seguida o seu rumo ou a falta dele, sem se despedir, deixando-me ali plantado, a pensar nas palavras que eu dissera...

Algumas palavras -sabiamente compostas- podem conter uma grande verdade, mas, dependendo do momento não fazem nenhum sentido; outras vezes, palavras absolutamente sem sentido, podem ser vistas e sentidas como a verdade mais pura e cristalina...Isso me faz lembrar a pergunta que Pôncio Pilatos fez a Jesus: - Que coisa é esta que chamas de verdade? A pergunta, infelizmente para nós, ficou sem resposta...

Aimberê Engel Macedo
Enviado por Aimberê Engel Macedo em 17/02/2009
Código do texto: T1444843
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