Cheio

Estava farto da blasfêmia contra Deus e farto dos que jogam a favor Dele e dos mornos que um dia, graças a Deus, serão vomitados. Estava farto da música triste, desses hinos da angústia que nos lembram de toda dor acumulada, desses perdedores pessimistas que as escutam todo dia e toda hora sentem-se aspirados a fazer algo novo transformando-se em otimistas odiáveis. Farto dos reunidos alegres nessas esquinas sujas ou nessas casas acesas que celebram e celebram sem jeito, apenas para sentirem-se numa patética emoção da confusão. Farto das mães falecendo, dos acidentes de carro, desses episódios fúnebres que guiam tudo. Farto do tempo, dessa pancada a cada segundo, da dança parada dos dias. Farto da velhice... Dessa velhice que tenta ser moderna e compreender os dilemas e problemas atuais, querendo ser vida e não morte. Farto! Farto da juventude no seu sonho ardente de ser erudita, de amar o velho. Farto dos jovens enterrando-se um a um numa terra infértil de ignorância. Farto do amor injusto das mulheres, estes seres de cabelos compridos e mente curta e coração burro. Farto dessas putas velhas que se riem nos bares. Farto dos homens que são de todos, os animais mais falsos, farto! Farto do Homem. Farto dos prodígios que nos afrontam sem saber coisa alguma sobre nada, dos rebeldes que rasgam suas roupas para nos chocar porque não conseguem fazer o mesmo com as palavras. Farto das palavras! Mentirosas e metidas à besta. Farto dos ecléticos, dos sectários, dos negros, dos brancos, dos coloridos. Farto dos carnívoros que comem a si mesmo todo dia, dos vegetarianos babacas que se auto promovem regurgitando sempre as mesmas idéias verdes. Farto dos adjetivos. Farto do ser e do não-ser. Farto. Estava farto de si mesmo. Farto da mesa farta. Farto da vida, das vidas bobas, do bêbado, do sóbrio, do poeta louco, do gênio. Farto! Farto! Estava farto!

E eu acho mesmo era... Porque fartava alguém.