Bêbado suicida

Estava eu, seguindo dentro de um ônibus em direção à Estação da Luz. Sentado tranquilamente em um banco posicionado perto do banco do cobrador. Tudo estava acontecendo de forma normal, quando de repente um homem adentrou no ônibus, aparentava uns 45 anos e estava trajando roupas comuns. Sentou-se em um daqueles bancos para usuários que gostam de sentar-se sozinhos. Perto da porta da frente do ônibus.

— Eu vou cometer suicídio! Falando isso, ele chorou convulsivamente. — Ela me deixou... Ela não devia ter feito isso. Continuou.

Logo percebi que ele estava bêbado. Quer dizer, todos perceberam. Alguns riam alto, enquanto outros esboçavam risos mais comedidos, inclusive eu, aliás, fiquei atentíssimo àquela cena aparentemente incomum.

— Chorando por causa de mulher! Mulher tem em todos os lugares. Falou em voz alta um homem sentado em uma das poltronas perto da do bêbado.

— Não igual a ela. Eu a amo. Amo muito.

O motorista, talvez por gostar de uma conversa, ou por ter se empolgado com a cena, envolveu-se:

— É isso que dá! Bêbado desse jeito e acha que a mulher tem de ficar com você?

O pobre homem continuou com a mesma idéia fixa. Respondia a tudo que falavam, mas continuava chorando e falando as mesmas coisas.

— Ela me deixou. Sem ela eu não consigo mais viver. A Marcela é a minha vida. Sem ela não quero mais viver. O mundo à sua volta parecia não lhe representar mais nada. Pouco importava o pensamento alheio; as críticas, as humilhações, os risos, as algazarras e os comentários maldosos. Seu pensamento não se modificava.

— Você não deve pensar em suicídio. Você deve ter família ou algum amigo a quem desabafar e que possam lhe ajudar. Uma senhora bondosa falou querendo ajudá-lo.

— Não perca seu tempo minha senhora. Ele está bêbado. Bêbados são assim mesmo, é só beber que começam com essa ladainha toda. Disse o vizinho.

— Se ela não voltar para mim, eu cometo suicídio. Eu juro!

Quanto mais o tempo passava, mais as pessoas riam daquela cena. Alguns desciam e ao descer olhavam para trás, enquanto outros subiam e logo se envolviam também com aquela conversa. O cobrador ria muito e Só parava de vez em quando para atender algum passageiro. Às vezes também fazia seus comentários:

— Esse bêbado comete suicídio não. Daqui a pouco ele cai em algum lugar e esquece tudo isso.

Eu continuava atento a tudo e percebia muita sinceridade nas palavras daquele homem. Acho que ele realmente devia amar aquela mulher, estava sofrendo e poderia cometer suicídio a qualquer momento. O ônibus continuava o seu trajeto, sem se dar conta de tudo que estava acontecendo em seu interior.

Um pouco antes da Estação da Luz, levantei-me, dei o sinal para descer e como todos os outros fizeram antes de mim, olhei para aquela cena e desci pensando: “será que ele teria coragem de cumprir aquela promessa?”

Confesso que caminhei um bom pedaço do caminho pensando e repensando: “como é poderoso o amor de uma pessoa por outra e até onde pode chegar a loucura de um homem quando não é correspondido por esse amor.”