Amor Estranho

O local era lindo. O teto, decorado com imagens pintadas com cenas de romances de um grande escritor brasileiro. Os assentos, conservados, lembravam épocas passadas, feitos em madeira e palhinha delicadamente trançada. Não era muito grande, mas conseguia acomodar algumas centenas de pessoas que, naquele momento, não estavam interessadas em admirar a arquitetura ou a decoração do lugar. Elas estavam encantadas com outra coisa: a beleza da música que, mais que qualquer presença física, enchia o ambiente.

Uma figura solitária destacava-se no escuro do palco. Praticamente sem luz, o ambiente iluminava-se pela blusa branca vestida pelo homem e pela poesia que era emanada através dos acordes que soavam dos instrumentos musicais tocados por trás de uma tela colocada no fundo do palco.

A voz grave do cantor e ator ali presente entoava uma canção emocionante. Era em italiano e falava de amor – um amor estranho. Todos se emocionavam, mas, perto dele, na terceira fileira do canto esquerdo da platéia, um casal vivia aquilo de maneira especial, diferente.

Aos primeiros toques daquela música, o homem segurou, disfarçadamente, a mão da moça que estava a seu lado. Segurou com tal força que ela chegou a pensar que sua mão seria partida em duas. Era a demonstração desesperada da angústia que estavam vivendo: um amor tão estranho para os outros, mas tão perfeito para os dois.

A moça voltou a cabeça para o parceiro, e percebeu que os olhos daquele homem forte estavam cheios de lágrimas, algo que ela nunca tinha visto acontecer com ele, que cantava também, com tanta emoção que chegou a emocioná-la.

Ela, às vezes, tinha vontade de prender o tempo em uma garrafa. Havia momentos em que se sentia tão feliz, tão feliz... que tinha plena certeza de que poderia morrer. Sim, poderia morrer naquele instante que não lamentaria nada do que porventura deixasse de viver. Havia esperado tanto tempo por um amor assim, por algo mágico assim... Ela tinha certeza que acabaria em algum momento, tanta coisa boa junta não podia durar por muito tempo, mas, ah... como queria que fosse para sempre!

Ela sabia que a poesia daquele instante preencheria sua vida inteira. E tudo começara, na realidade, no encontro mais cedo, quando ele lhe demonstrara tanta paixão, e, ajudado pelos vapores do álcool, arrastara-a para o centro do palco de um anfiteatro em obras. E ela se sentira tão personagem de um filme... com um canhão seguidor inusitadamente direcionado a eles. Já era noite, e os operários, abismados, observavam aquele homem enorme ajoelhar-se ante os pés de uma mulher envergonhada, mas, acima de tudo, em estado de graça por estar sendo agraciada pelo momento de tal sorte inusitado.

Foram expulsos, como afinal tinham que ser, e saíram rindo, rindo... contentes com a travessura feita, coisa do tipo que só eles conseguiam fazer, uma dupla aparentemente imbatível. Em seguida, ela o deixara em casa, indagando-se como ele conseguiria estar bem para mais tarde.

Arrumara-se às pressas. Correra. Mas chegara antes dele, e ficara matando o tempo no saguão, enquanto mandava um olhar espichado com o canto do olho para a entrada de quando em quando.

Mas então o vira, tão alto e bonito, vestido com uma bata branca, e ela sentiu-se como se estivesse vendo as coisas em câmera lenta: através dos altos pórticos, atrás de duas figuras mais baixas, era ele, a quem aprendera a amar tanto e em tão pouco tempo.

Dirigira-se até eles. Seria teatro. E tivera que se conter. Não buscar tanto seus olhos, não demonstrar ao universo ao seu redor que sim, eles nutriam um pelo outro um amor incomparável, uma cumplicidade invulgar. Todavia ela achara o tempo todo que estava sendo parte de um retumbante fracasso. Sentia-se como se tivesse um sinal luminoso afixado à sua testa, entregando-a vergonhosamente a quem quer que chegasse perto.

Alguma conversa depois, e era hora de abstrair-se da realidade, embarcando na vida de outrem. Um pouco mais tarde, sua mão doía, mas ela estava ainda mais radiante, possuída pela aura especial reservada àqueles tocados pelo amor. No momento em que a música parou, o aperto afrouxou, mas as mãos não se soltaram, presas a uma ligação muito mais profunda que a simples conexão física.

Uma amiga dele, sentada em um lugar atrás, levantou-se e percebeu as mãos entrelaçadas e escondidas, que logo se soltaram, mas não antes de serem percebidas. Todos se levantaram. Ela conversou com alguns dos amigos e familiares. Despediu-se de todos e dirigiu-se a seu carro. O veículo dele passou rasgando, e ela ainda pôde perceber o homem mais velho, extremamente simpático e afável, acenar para ela, que não conseguia acreditar no inusitado daquela noite, que, finalmente, estava chegando a um termo.

Enquanto dirigia, cortando a escuridão, pensava que, no final da apresentação, várias rosas haviam sido atiradas.

Ele ficara com uma. Ela não.

Mas havia algo mais importante que ela mantivera: a lembrança daquela noite mágica em que fora delirantemente feliz.

E essa nunca... nunca iria murchar.

Maria Lima
Enviado por Maria Lima em 25/01/2009
Reeditado em 25/01/2009
Código do texto: T1404510
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.