Adeus!

Naquela mesma rua, onde um momento os havia marcado, numa madrugada cruelmente única e igualmente marcante; um garoto está sentado no meio fio ao lado de uma garota, que também esta sentada e segura em frente a seus joelhos uma mala, à que cutuca continuamente o couro com sua patela.

Hoje ela sepultaria uma perseguição amorosa que arrastara-se durante dois anos. Ela fora uma guerreira, lutara por seus sentimentos até a (além da) exaustão. Ele fora um admirável cavalheiro, recusara a todas as suas investidas com um gentil sorriso no rosto e a inocência da crença em uma amizade exagerada. Mas nesta noite não havia mais espaços para mentiras, nem para imagens errôneas. Hoje a guerreira cansara de lutar e o cavalheiro já não podia mais fingir que não entendia. Hoje seria o triste fim de uma história rubro-negra, de amor e decepção, dotada de toda a beleza que contém a soma da dor, da paixão e do fracasso.

O nervosismo pairava no ar como uma densa nuvem e envolvia os dois jovens.

Mais algumas horas e ela embarcaria em um ônibus lento e fumacento, para bem longe dali. Ele não. Ela amava-o mais do que tudo e muito mais do que acreditaria ser capaz de amar. Ele não. Ele gostaria que ela ficasse, mesmo que isso não significasse amor, ele queria-a por perto. Ela não. Estava decidida a partir para sempre.

- É o nosso último momento juntos... – Disse a garota quase que num sussurro. Sem coragem para fitar-lhe, ela olhava para a lua.

- - Porque você quer assim. Eu gostaria muito que você ficasse... – A voz dele era trêmula, e seus olhos também fugiam de encarar a jovem.

- Não, é porque tem de ser assim. Se eu pudesse me dar ao luxo de agir como quero, tudo seria diferente, a começar por esta passagem em minhas mãos.

- Tem certeza? Não vai se arrepender depois?

- Já estou me arrependendo. Mas tenho certeza de que não morrerei por isso.- Ela ergue seu pulso e observa as horas em seu relógio. – Tenho que ir... Está na hora.

- Se é isto o que você quer... – Ele tenta fingir indiferença, algo que no momento, definitivamente, ele não têm.

- Sim, é o que eu quero e o que eu preciso. – Ela tenta fingir força, algo que no momento, definitivamente, ela não têm. – É o nosso último momento, são nossas últimas palavras.

Ela já estava tornando-se repetitiva.

- É...

Ambos fitam o chão e permanecem em silêncio por alguns segundos que tinham o peso de décadas.

- Hey! – Era ela quem chamava-o e agora encarava-lhe nos olhos com determinação.

- Que? – Ele ergue a cabeça pesadamente e lhe retribui o olhar.

- Te amo. Decidi que minhas últimas palavras deveriam ser exatamente aquelas das quais fugi durante estes dois anos. Aquelas que estavam estampadas em meu rosto e que eu lhe ofereci diversas vezes em todos os meus gestos... Sempre mascaradas, discretas e eufêmicas. Mas agora, te falo com todas as letras e com todo o peso que estas duas palavras podem carregar. Te amo.

Um sorriso fraco brotou-lhe nos lábios e seus olhos estavam reluzentes, como uma piscina de pura emoção. Ela imaginava que ele ficaria encabulado com as palavras... Que ele se sentiria intimidado... Mas desta vez, realmente não importava. Ela estava se libertando.

- Eu sei – Ele riu. Não sentia-se assombrado pela sentença. Sentia-se terno e quase orgulhoso. – Brincadeira. Eu também te amo... – Sua voz agora perdera um pouco da segurança – Como amiga e só.

- Não, você não ama. Não confunda a sensação de dívida e culpa com amor. E esse seu “amiga e só” complementando a frase, só dá a ela um tom desagradável de explicação. Ou desculpa esfarrapada, como preferir. – Seu sorriso agora era maior e ainda mais fraco e artificial.

Ele já não sorria mais. Pelo contrário, seu rosto era denso como um lençol amarrotado.

- Mas eu realmente gosto de você. Se não é amor, é o mais próximo disso que eu consigo chegar. Por favor, fique.

- Já disse, nunca será o bastante. – Pausa. Respiração profunda - Eu vou.

Ela levanta-se, pega sua mala, suspira profundamente e vira sua face em direção à lua. Silêncio e pensamentos desesperados por mais alguns lerdos segundos. Ela olha para ele novamente, agora seus olhos estavam cheios de lágrimas. Os dele também.

As lágrimas caem, escorrem pelas maçãs de seus rostos... Morreriam em seus lábios se não fossem tantas, mas a intensidade do fluxo fazia com que elas escorressem até seus queixos e pingassem no chão.

Eles se encaram por um momento.

- Adeus, dessa vez é pra valer.

Ele levanta e posta-se centímetros diante dela. Seria o momento perfeito para um beijo. Mas não aconteceu.

- Então, adeus. Espero ter uma nova oportunidade e te encontrar em breve.

- Eu não.

- Isso só o tempo poderá dizer – Ele sorriu e piscou. Seus olhos ainda choravam. Os dela também.

Ao ouvir isso, ela vira as costas e segue pela rua. Ela dobra a esquina e ele perde-a de vista. Mas antes de dobrar, a garota olhara para trás e seus olhos encontraram os dele uma última vez. Sim, isto significava que ela desejava voltar. Que mais do que tudo, ela queria poder voltar e atirar-se nos braços dele, como sempre fizera, mesmo sem receber o que desejava em troca. Eram exatamente estes os sentimentos que lotavam a alma da contrariada. Mas ela não podia. E ela não voltou.

- Obrigado por tudo... Tudo mesmo! Você foi fantástica! – Disse ele para a rua já vazia, aquilo que não tivera coragem de dizer encarando-a nos olhos, mas mesmo que ela não estivesse mais ali, ele juraria que ouviu sua voz sussurrar com uma doçura imponente ao pé de seu ouvido: “Tarde demais”.

Ficou parado no mesmo lugar, sentindo-se arrependido e triste por não poder retribuir o que ela tanto gostaria. Mas ele não podia. Assim como ela não podia voltar.

O quê os impedia? É uma ótima pergunta.

E graças aos seus medos e teimosias, sua história terminou assim. Uma despedida feia. Sem beijos. Sem amor (correspondido). Sem amizade (correspondida). E terminou num vazio. No mesmo vazio desastroso da soma de seus egoísmos. Enorme vazio.

Terminou com uma garota que amava demais, indo embora para tentar afogar seus sentimentos na distância; e com um garoto arrependido por ter entendido tarde demais.