Conto Curto Sobre o Velho Amor
O velho avança em passos trêmulos pelo corredor. Ele sabe que deveria ter vindo muito antes. Agora o tempo acabou. A esposa se foi e o filho cresceu a ponto de carregar na fisionomia o esboço da velhice. Isso é tempo demais e tudo passou muito rápido. No último reveillon, ele resmungava: "Ano que vem eu não venho!". O filho riu: "Claro que vem, o senhor mora aqui". Mas o velho parou de fazer aquelas famosas caminhadas e deixou todo mundo preocupado.
Agora, ele está de pé, naquele corredor, em frente à porta velha daquele apartamento. É preciso dizer àquela mulher e tem que ser hoje: "te amei! Te amei e é absolutamente necessário que se diga, pra que isso não se perca pra sempre". Ele rememora o discurso, que ensaiou tantas vezes. O velho não precisa de resposta, nem manifestação de afeto. Basta o resgate da lembrança. Porque ele disse uma vez que amava, há muitos anos, mas depois foi embora. "Merda de medo", ele pensou, antes de tomar a decisão de procurá-la depois de tanto tempo. Quando decidiu, a saúde inclusive melhorou. O filho se surpreendeu ao vê-lo tão disposto. "Tenho que fazer uma coisa", o velho comunicou, resoluto. "Eu te levo", disse o filho. E enquanto o filho ia buscar as chaves do carro, o velho saiu porta afora.
O velho ergue a mão lisa e magra na altura do rosto. Ele respira fundo e toca a campainha. O coração ao piparotes e o velho percebe que não pode mais se agüentar de pé. Apoia-se no batente, sente a velha pontada. Quando a dona do apartamento abre a porta, ele consegue sorrir, mas a figura do velho não diz nada àquela senhora. É preciso que ele a chame pelo diminutivo, como antigamente. "Meu Deus do Céu! Entra, entra...", ela ilumina-se. O apartamento está impecável. Ela ajeita os cabelos brancos e ralos a cada dois segundos e o convida pra sentar no sofá. Depois, vai buscar o suco e dá um berro da cozinha: "desculpa a bagunça, mas é que eu sinto muita falta do meu cachorro..."
O velho toma fôlego. E quando ela volta com o suco na bandeja, ele diz tudo.