Os Olhos do Faraó - Parte 1

Estava tudo perdido.

Ele havia cometido um pecado sem perdão: como poderia alguém tão indigno quanto um escravo ousar olhar nos olhos do Faraó?

E tudo por causa do espírito de busca sempre presente naquela alma jovem, que ansiava por ser livre como o vento, embora seu ser fosse preso à terra e à sua terrível realidade. Aquele jovem escravo compreendia sua insignificância, mas não a aceitava. Sua condição o trazia desespero e inquietação, e foram essas as causas de seu ato tolo e imprudente.

Anath sempre escutara a respeito do Faraó. Ele era mais do que um governante, mais do que um sacerdote. Era o próprio filho dos deuses Amon-Rá e Hórus. Aquele que governava a poderosa e próspera nação com sabedoria e rigidez. O Rei do Paraíso, a Grande Casa que protegia e mantinha o Egito em toda sua glória. Aquele homem de essência divina era capaz de trazer o conforto às almas e libertá-las.

E foi atrás dessa esperança que o jovem Anath infiltrou-se no palácio, querendo constatar seu poder, e, quem sabe, assim mudar sua vida.

Com sua agilidade e esperteza, atravessou a noite e conseguiu chegar ao quarto de ouro e marfim do Faraó sem ser notado pelas centenas de serviçais e guardas presentes no palácio. Mas sua aventura acabara quando fora descoberto pelo Faraó em pessoa, e no susto, acabara sem querer por fitá-lo nos olhos de relance, o que ele sabia que era proibido para um súdito, que dirá para um escravo. Certamente seria morto.

A única coisa a se fazer era ajoelhar-se perante os pés da divindade, encostando até sua testa no chão.

-O que fazes em meu quarto? – A voz altiva e grave se fez soar, emanando poder e fazendo Anath tremer, incapaz de responder. –Diga quem és! É uma ordem! – O Faraó parecia irritado pela falta de resposta.

-Sou apenas um escravo... Nasu...

-Por tuas vestes vejo que não és desse palácio.

O escravo vestia roupas que de tão poídas e gastas, podiam ser chamadas de trapos. Também estavam sujas, diferente das roupas usadas pelos servos do palácio, sempre impecáveis.

-Eu trabalho nos campos, Nasu.

-Então, o que fazes aqui?

-Eu... Eu apenas queria ter a honra de uma vez em minha vida presenciar vossa grandiosidade, Nasu.

-Não achas petulante de tua parte, escravo?

-Eu não pretendia vos ofender! Eu apenas queria vos ver porque muitos me falaram que o simples fato de ver sua grandiosidade é capaz de mudar a vida de um homem!

-Levanta-te.

O escravo obedeceu, mas permaneceu fitando o chão.

-Tua maior petulância não foi o fato de vires a meu quarto procurar por minha figura, e sim não notar que minha grandiosidade está em toda a parte, uma vez que eu sou o Egito. Para onde olhas, vês uma parte de mim. Eu sou ar, o vento e a brisa. O rio, aquele que te dá a vida. Sou o Sol e as estrelas. Como podes achar que nunca havias me visto?

-Perdoai minha ignorância, Nasu! – O escravo enfrentava o mais puro pânico, seu corpo tremia.

-Olha para mim. Olha em meus olhos novamente.

Anath juntou toda sua coragem e levantou sua cabeça para olhar nos olhos do Faraó, dessa vez direta e profundamente.

Os olhos do Faraó eram de um azul tão escuro que pareciam negros como sua maquiagem ao redor deles. Nunca se viram olhos como aqueles: eram escuros porque não tinham fim. Eram a representação perfeita da abóbada celeste, do vazio do céu estrelado. Continham o infinito e a eternidade. Tudo estava naqueles olhos, inclusive Anath. Aqueles olhos só podiam ser mesmo de um Deus.

E foi perdido naqueles olhos que Anath sentiu a paz suprema. Era como se ele e o Faraó formassem a mais perfeita unidade. Aquilo lhe trouxe um alivio tão grande que lágrimas rolaram sem que ele sequer notasse.

O Faraó sorriu. No instante que vira o jovem escravo, soubera que ele era especial.

-Diga, és filho de quem? Onde nasceste?

-Sou filho de hebreus, mas nasci aqui no Egito. – Respondeu mais calmo, mas ainda assustado pelo efeito que o olhar do Faraó tinha sobre si.

-Errado. Se nasceste no Egito, não és filho de hebreus. É filho do Nilo, e logo meu filho. A partir de hoje, serves apenas a mim e moras nesse palácio.

Aquilo fora uma grande surpresa para Anath. Ele esperava apenas a morte, mas ganhara o privilégio de trabalhar para o Faraó, e também de olhar para seus olhos. Certamente ele era a mais afortunada das pessoas.

-Nasu, o que esse escravo imundo faz aqui? – A tranqüilidade do momento fora perturbada por uma bela mulher que adentrou o quarto. Ela tinha uma postura altiva e orgulhosa. Suas vestes eram fabricadas do mais alvo linho, assim como as do Faraó. Também estava adornada com majestosos colares e pulseiras de ouro enfeitados com muitas pedras preciosas. O neme em sua cabeça também coberto de ouro deixava claro: se tratava da rainha.

Anath escutara sobre ela, que era astuciosa e orgulhosa. Uma mulher de gênio forte.

-Já disse que não entres em meu quarto sem permissão, irmã. – Repreendeu-a.

-Perdoai-me, Nasu... Eu apenas pensei que gostaria de minha presença em vossa cama hoje. – A rainha estava irritada por ser repreendida na frente de um escravo.

-Hoje não quero.

A rainha então se surpreendeu. Ele iria de fato dispensá-la? E para ficar com quem?

-Vais ficar com esse hebreu? – Ela perguntou olhando com ira para o jovem escravo. Ela detestava quando seu marido e irmão a trocava por uma das concubinas, que dirá ser trocada por um escravo homem. – Vais mesmo permitir que esse hebreu sujo de terra encoste-se a tua pele?

-Cala-te. A partir de hoje esse é meu filho, e não um hebreu.

A rainha sentiu muita raiva, e, ofendida, deu as costas para o Faraó, saindo irritada do aposento a passos pesados. O Faraó, já acostumado com o temperamento de sua rainha, apenas a ignorou. Chamou então duas servas e disse-lhes:

-Levem meu filho e lavem-no. Dêem-lhe roupas e cuidem dele. Em seguida, tragam-no a meu quarto novamente.

E assim foi feito. As servas deram banho em Anath e cortaram-lhe os cabelos. Vestiram-no em linho branco e pitaram o contorno dos seus olhos de preto.

Novamente no quarto do Faraó, Anath estava nervoso. Não entendia muito bem o porquê de estar sendo tão bem tratado. Mas não se importava tanto. Se pudesse ficar perto daquele homem divino, sentia-se satisfeito.

-Venha meu filho. Aproxima-te de mim e deita ao meu lado.

Assim Anath o fez. Seguiu até a luxuosa cama feita de madeira nobre ornamentada em detalhes de ouro, e nela sentou-se.

-Diga meu filho, qual teu nome?

-Anath, Nasu.

-Significa “resposta”. Nada mais adequado. Fostes para mim uma resposta dos deuses. No momento em que te vi, os deuses me mandaram um sinal, de que tu deverias ser meu, e no momento que te vi nos olhos tive a certeza.

Continua...

Ryoko
Enviado por Ryoko em 11/01/2009
Reeditado em 12/01/2009
Código do texto: T1378705