Lili erva-doce
Da primeira vez que Lílian entrou aqui, na padaria, notei que era diferente das demais meninas que trabalham nesta rua. Ela é educada, raramente fala palavrões, não fuma, é cheirosa e seus cabelos estão sempre molhados como se saísse do banho a cada minuto. Suas roupas, embora das mais baratas, se amoldam perfeitamente ao seu corpo, como a casca na banana.
Quase todas as noites Lili chega ao balcão e me pede média e pão com manteiga. Disfarçadamente, reparo em suas unhas esmaltadas de vermelho. Seu decote generoso, então, é tão convidativo que só falta o tapete vermelho. Admiro seus lábios carnudos feito gomos de mexerica e até seu nariz que brilha sob a luz da lâmpada. Depois ela sai, rebolando espontaneamente com sua bolsa preta. Acredito que deva ter vários clientes entre os homens que param seus carros na calçada à procura de bons programas noturnos.
Conversamos pouco. Aliás, não sou de muito assunto. Minha vida é como um trem, sempre no mesmo trilho, mesma paisagem, iguais estações. Confesso, porém, que a chegada de Lili encharcou minhas noites de alegria. É bom ver seu sorriso, como criança brincando numa manhã de domingo. Sem que meu patrão veja, às vezes nem cobro o que ela consome no balcão.
Fiquei sabendo, por uma das garotas, que Lili veio há pouco do interior, brigada com os pais. Nesta cidade enorme, o único emprego que arrumou foi este, que não exige carteira assinada ou experiência anterior, somente o corpo e a coragem.
Um dia ela irá embora, como todas as outras. Tenho certeza. Por ora, admiro seu vulto alumiar a rua, refletir o brilho da lua e deixar um aroma de erva-doce no ar. Enquanto isso, eu vou servindo café e cigarro para as meninas, cachaça para os bêbados e um cálice de sonho para mim mesmo.