A EPOPÉIA DA VIDA – O CICLO DO AMOR
PRIMEIROS DIAS DA DOR-A VERDADE
Ao ler teus olhos, descobri a verdade, mesmo que tua boca não a tenha dito. Percebi o que não queria perceber, escondido em minha covardia. Não era mais seu. Tu não era mais minha. Não disse nada e você não exigiu palavras. Pressentiu em meu olhar de reconhecimento, que eu já sabia.
Ah! Esse silêncio entre nós foi ensurdecedor. Perfurou os tímpanos de nossas almas. Dilacerou o resto de nossas expectativas. Mas não havia jeito. Melhor a verdade silenciosa que a mentira falante, com suas frases feitas e chavões hipócritas.
Mas o que eu farei com o meu sentimento. Onde enfiarei meu peito, para que não lateje tão alto e não interrompa minha vida.
Eu agora me vejo um zumbi. Um morto-vivo. Sou viúvo de uma mulher viva. Talvez o pior dos sentimentos, a solidão, veio me visitar em uma noite fria. Quase vi seu rosto, e este quase-rosto, zombou de minha ferida. Não sei como acordo, como ando, como respiro ainda. Não há mais sabor. Tudo é insípido e inodoro. E a dor? Ah! Esta se tornou onipresente, em minhas noites mal dormidas, em meus dias sonanbulentos.
Estou preparado para a velança. Tampem o caixão!
PRIMEIRAS SEMANAS DA DOR - A ESPERANÇA
Hoje acordei como se voltasse de um sonho ruim. Liguei-te, mas uma voz desumana me atendeu:
- “este telefone móvel está fora da área de cobertura ou desligado...”
Odiei todos os celulares e operadoras. Mas não desisti. Algo dentro de mim despertou uma fúria avassaladora. De repente surgiu uma luz que até então não havia. Um murmúrio em um planeta surdo.
- Se você me amou algum dia, há de me amar de novo. Tenho certeza!
Fui ao seu encalço. Procurei seus pais, nossos amigos, seus amigos, seu dentista, pedicuro, cabeleireiro. Fui ao seu bar preferido, seu cinema, sua academia. Mas você sumiu. Não deixou vestígio nem pista. Poderia ser uma nova morte, se a ilusão já não tivesse se apoderado de minha alma.
Criei uma certeza de que se não a encontrava era porque você se escondia de mim. Mas por que? Talvez porque estivesse sofrendo com a nossa separação. Sim! Então se havia sofrimento em você é porque ainda havia um vestígio de amor. Cultivei esta plantinha pequenina chamada esperança.
Enviei-lhe flores, cartas, bombons, minha alma. Despi-me perante todos. Apostei alto e me embriaguei neste vão licor.
O porre foi tremendo. Pois quando achei que estava te alcançando. Você veio a mim, e desta vez, munida de palavras. Não! Foram na verdade adagas, punhais frios que penetraram minha couraça recém forjada pelos elfos do devaneio e da ilusão.
Meu deus! Não era você. Era uma estranha que se apoderou de seu corpo. Vi o desamor em seus olhos que me perfuraram com uma sutileza desprazível.
Tombei mais fundo em meu poço de autocomiseração.
Agora era definitivamente meu sepulcro.
PRIMEIROS MESES DA DOR - A AMARGURA.
Não havia nada e o nada me preenchia. Era como um terreno árido. Não me respeitava mais. Nem meu corpo e nem meu espírito.
O fedor de meu desleixo se misturava com a desolação de meu peito e jorrava, volta e meia como uma chuva ácida, pelos meus olhos lamacentos.
A dor tornou-se minha companheira e moldava meu novo eu, Amargo, rancoroso, e conseqüentemente, solitário.
Era como um gambá fedorento ou uma doença infecciosa. Ninguém me suportava. Nem eu.
Comecei a construir um castelo e uma muralha que o circundava, dura e impenetrável.
Passei a odiar as “Evas”. Todas iguais. Amazonas cruéis e sanguinárias. Fiquei longe de tudo, principalmente delas. Sabia que viriam um dia. Mas me tornei rápido e me escondi em mim.
Não precisei fazer muito esforço, porém, para afasta-las. Minhas condições deploráveis por si só já afugentavam qualquer “Eva”, alias, qualquer ser vivo.
Mergulhei em um rio de autocompaixão e me refugie bem no fundo. Onde ninguém me visse, ouvisse ou percebesse minha existência.
PRIMEIRO ANO DA DOR – A INSENSIBILIDADE
O ano passou. Brindei a vinda do novo ano com um copo de amargura em um quarto vazio. A dor já não me incomodava mais, acostumei-me a ela. Mas minha nova carapaça agora era menos desleixada, porém ainda eficaz. Forjei um novo escudo: o trabalho. Confesso que me foi útil por um lado. Comecei a agregar coisas e a lhes conferir valores. Meus amores agora eram materiais: um carro novo, uma sala nova, um som novo que mal ouvia. Não! A música não pertencia a este novo universo. Nada que pudesse de alguma maneira acessar o intangível antro da sensibilidade. Guardei meus sentimentos em uma caixa e coloquei no rio, lembra? Aquele mesmo onde me refugiei outrora, bem no fundo. Era outro homem, mais forte, mais esperto.
-As armadilhas da vida não me pegariam - assim julgava.
EPILOGO? (OU RECOMEÇO?)
Estava confortavelmente satisfeito em meu mundo, sem dor, sem flor, sem sentimento. Meu castelo estava lá, imbatível, intransponível, inalcançável. Minha rotina era meu guia: da casa pro trabalho e vice e versa. Ah! Meu mundo! Eu comandava cada momento sem hesitação.
Seguro em meu universo me permiti uma leve distração. Inocente, quase imperceptível para as minhas defesas. Um bar, uma "cerva" gelada para aplacar o calor, uma mesa, um olhar...
Não! Um olhar? Foi rápido demais. Não tive tempo de armar o exército. Onde estava meu escudo, minha armadura, minha fortaleza.
Olhei pro lado e vi o rio transbordar revolto e, em suas margens, jáz uma caixa, aberta e vazia. Pânico!
Não! Como não percebi?
Um vento uivava forte e eu via meu castelo desmoronar. Pedra por pedra.
Minhas pernas estavam bambas. Meu deus há quanto tempo eu não tinha este sentimento?
Sentimento? Não! Ele estava na caixa... agora... aberta! Abriram a caixa de Pandora! Mas quem? Quem foi? Quem..fui...eu! Fui eu!
Voltei-me pro alto e vi, não! eu li ... teus...olhos... A verdade.
Mesmo assim tua boca repetiu o que os olhos já diziam:
-Oi? Meu nome é Lucia. Posso me sentar?
Meu silêncio respondeu antecipando minha boca seca, e esta, logo em seguiida, gaguejou, como se entoasse uma ode em homenagem a ultima pedra do castelo a ruir:
-cc..claro!
ESTAMOS INAPELAVELMENTE CONDENADOS A UM DEJAVU , NA ESPERANÇA ETERNA DE UM NOVO FINAL, TALVEZ FELIZ.