Sonhando no pé de caju
“Terezinha de Jesus levou uma queda/ Foi ao chão/ Acudiram três cavalheiros/ Todos de chapéu na mão/ O primeiro foi seu pai/ O segundo seu irmão (...)”
Passeavam borboletas amarelas, de sol em festa, de abóbora tons, ora ziguezagueando, ora pousando em Cristas-de-galo, beijando pétalas, namorando. E Cristina a ouvir: “Deca chegará pro início do ano!” abrindo-se em concha seu coração de eterna enamorada. Olhos, cintilando (-) castanhos em brasa. Cenas deslumbrantes em presença deles. A voz rouca bradando dela, nela própria: (...) “O terceiro foi aquele que a Tereza deu a mão!”, despertando a pele... Sensações brotando do corpo, volteando, volteando...
Era um início de noite serena- seu Tertulino caminhando pelas calçadas, bengala ao chão... toc... toc... toc! Vitória em sua bicicleta junto a essa vida que sorria em Cristina, aquela em seu: “Boa noite, Cristina!” feito passarinho solto da gaiola. E todo esse mundo crepitava dentro dela! Nas faces rosadas, bochechas cheias; havia uma verdejante alegria. Os braços iam e vinham, num vagar gostoso entre as passadas com destino à casa de Cristina.
“Iemanjá era uma rainha poderosa e sábia.
Tinha sete filhos
e o primogênito era o predileto.
Era um negro bonito e com o dom da palavra.
As mulheres caíam a seus pés (“...)”
(Prand Reginaldo. Mitologia dos orixás.)
E a mulher, solta na imaginação, subiu no cajueiro, ao lado da janela do quarto e viu a noite imensa!
“E se voltasse no tempo, ao menos por minutos”?”- olhou as estrelas e sem pestanejar, boca sorrindo, cabelos soltos ao vento- “Ah! O que eu não daria para ter ainda vinte e cinco anos!(...)”
Cristina mordeu os lábios. Será que Deca iria ter coragem para o trabalho voluntariado de formiguinha de visitar famílias às margens do rio Piracuruca e conversar sobre a preservação deste? Ela fora audaciosa em convidá-lo na luta por essas questões ambientais. Mas iria unir o útil ao agradável- a companhia dele e seu projeto ecológico vingando.
Em intervalos de suspiros, contemplando o luar e as estrelas, Cristina desenrolava os olhos da alma às maravilhas de um amor de sua juventude. Abriu novamente a porta das lembranças no momento exato em que Deca e ela, reboliço no corpo, máquina fotográfica à mão, batiam fotos dos locais desmatados nas encostas do rio, após visitas aos moradores deste. Em seus olhos o sinal da tortura de estar com ele, um desejo de exprimir o fogo que a abrasava, bem como falar-lhe de ternas palavras, sensuais até, que almejava ao ouvido, enquanto ficaria a sentir as mãos dele seguindo o caminho de seus seios, em êxtase de prazer...
Uma magia havia naquela pele negra, entre elementos de samba e candomblé. Uma música irmanada em torno do corpo dele, cultuando um desejo vadio de afagos e beijos; murmúrios à noite nas encostas dos muros.
A mulher que está a divagar não conhece o homem, que caminha a seu lado, exalando o perfume saliente dela. E as idéias que lhe vêm à cabeça? Pois se construíram a imagem de um anjo, desfaçam-na! Vamos pô-lo em seu devido lugar.
Seu corpo estava em tumulto! Algo reclamando em sua intimidade máscula, enquanto seguia vivo o mistério do corpo de Cristina. “Ah! Cristina! Que perfume suave!”. E ali, colocando as mãos nos bolsos da calça de brim procurou aquietar o desejo de tê-la. Olhando por cima do ombro, visualizou a pele macia do rosto dela, detendo-se no lóbulo da orelha esquerda ornada com um pingente de argola de ouro. Desceu os olhos ao longo do corpo prendendo a respiração acelerada receoso dela notar. No ar, misturando-se ao cheiro dela, uma agradável sensação de abelhas nas flores- solvendo-lhes o néctar a namorar.
Esquecido de onde se encontrava, tropeçou em uma pedra derrubando a máquina fotográfica na areia. A mulher baixou o corpo em socorro do homem.
_Deca_ a voz dela soou preocupada e carinhosa_ você se machucou?
Os seios fugindo de uma blusa encontraram os olhos dele. As mãos dela nos braços de Deca. Uma onda de fogo ardente envolveu o corpo viril ressoando como um beijo. Sentado na areia macia, reteve as mãos dela entre as dele, numa explosão do que lhe vinha na alma. Apreciou os olhos dela (-) estavam completamente aquecidos pela chama do amor. Seus dedos, possuidores de uma ternura guardada para ela, iniciaram uma subida ao rosto amado. Imóvel, lábios entreabertos (Mas havia sinais de tempestade no olhar!), ela deixou-se ser acariciada. Após segundos (Eternos a ele!), quando os dedos contornavam os lábios, ela mordeu de leve um deles com a língua sugerindo um desejo de beijos aguardando a boca ser tocada. Um botão abrira-se na blusa dela! Algo se tornou rijo nele. Não era santo... Não, não era! A boca dele foi de encontro aos lábios e as mãos seguraram dois melões frescos.
_ Quero você, estou certa disso_ disse Cristina com firmeza.
_Necessito de você_ Oh, ele a amou ali mesmo.
Parece mentira!... Ainda sente o sabor dos beijos decorridos tantos anos! O amor das mãos na pele. E os corpos se amando? Amou o silêncio das estrelas, suspirando em cima do cajueiro, como se aos quarenta e sete anos, outra mulher vivesse nela esperando ser amada.
E Cristina riu com as estrelas, brilho nos olhos, sonhadora...