O Vagabundo
Certa manhã, encontraram o Adamastor, morto. O velho – como era conhecido, morava debaixo de uma mangueira entre a esquina da rua da Pátria e a Independência. Apesar de vagabundo e sem teto, era conhecido na região, pois a todos ajudava.
Logo a noticia se espalhou. Muitos foram ao local para se certificar ou quem sabe, prestar a ultima homenagem ao velho. Relembraram que anos atrás ele chegou de mala e cuia na mão e fez da mangueira a sua moradia. Comia o que lhe davam, mas fazia questão de pagar com alguma prestação de serviço. Até ensinava algumas crianças nos estudos quando os pais tinham que ir trabalhar. Pouco falava da sua vida passada, era muito reticente nisso. Numa coisa, todos concordaram, o velho além de benevolente, nunca importunara ninguém.
Comentaram que todos os dias ele ia ao ribeirão tomar o seu banho. Um vagabundo asseado – lembrou a viúva dona Margarida. Todos concordaram novamente. Alguns até cochicharam que a dita quis abrigá-lo em sua casa. Os mais maldosos especularam que a viúva queria na verdade: um marido! Mas o velho Adamastor educadamente sempre recusava formosos pedidos.
Podia-se perceber por detrás de sua abundante barba grisalha, um rosto de belas feições, judiadas pelo tempo – é verdade. Agora o Adamastor jazia sob a mangueira com uma carta entre as suas mãos.
Dentro da carta, apenas uma foto de uma mulher. A mais linda que se vira! Trazia no verso da carta as seguintes palavras: “Querida, hoje sei que poderia ter suportado todo esse nosso amor. Levei anos para entender isso, mas agora sinto que é tarde para voltar atrás. Neste momento, a única coisa que eu mais queria no mundo era poder te dar um abraço... um abraço pedindo o seu perdão pelo meu medo de estar ao seu lado e dos nossos filhos. Sinto-me muito cansado, sem forças! Forças que só tenho para as lágrimas e lamentar pelo tempo perdido. Nas noites estreladas, vejo-te entre elas. Sinto muita saudade. Arrependo-me por não ter tentado levar a nossa vida adiante, fui um fraco. Não quero que os nossos filhos me vejam nesse estado, como vagabundo, errante, covarde, porque tudo o que queria era ser um bom pai e que nem isso, consegui ser. Que o diabo mil vezes me carregue, mas te peço... dê-me o seu perdão, que aceitarei o pior dos fardos! Me fiz, por merecer. De quem nunca deixou de te amar: Adamastor.”
Logo reconheceram a mulher na foto. Era uma famosa atriz de cinema! Ela, por décadas, recusara vários pedidos de casamento, de reis e magnatas e ninguém sabia do por quê. Só sabiam que depois do desaparecimento do marido, ela sempre chorava muito no camarim e se entregava de corpo e alma nos papéis que interpretava. Todos achavam que ela tinha uma estranha mania, uma excentricidade, mas hoje perceberam que na verdade, era uma esperança... ela sempre mantinha em sua casa, a porta da frente... aberta.