O VIOLINO E A AFINAÇÃO - O PROBLEMA - PARTE l

QUARTA FEIRA DE CINZAS DE 2008.

Insone. As horas se escoram uma nas outras. O difícil de dormir vem de saber-me de posse de um violino. Mais que o instrumento em si, o que mais me assusta, são as demarcações de notas de seu braço que não entendo. Levo a mão a ele, seu braço, seu bojo apoiado em meu ombro, suas curvas, seu ponto de maior ressonância, como que repercute o ofegante de minha respiração. E pensar em afiná-lo. Pergunto-me: em que nota?
Sabe... as palavras me faltam, feito estas notas ao violino. Instrumento que se faz nestas linhas por traduzir as dificuldades do dizer. Para usar verbo mais ameno: gostar é como tocar este violino, a ponto de não saber se o instrumento tão desejado de fato está ao alcance mesmo... da mão. Há horas, minutos, segundos (olhe a imprecisão do insone) em que esfrego os olhos: afinal ele existe, ou não? E na consciência deste imenso querer do meu coração vai o sofrimento. Coisa lusitana, esta da distância da intenção ao gesto. Saio-me através das palavras, puro gesto de intenções. Mas sei, mais consciente ainda, das dificuldades encerradas no bojo de cada uma delas assim como de um violino. Avulta-se em mim a idéia clara da confusão feita, toquei o instrumento no sentido de achegar a mão a ele. Mais agora que se apresenta tão violino aos meus olhos, penso que terei que estender-lhe as cordas ao máximo para obtenção das notas musicais desejadas, acompanhadas de imagens de arco-íris, luas, estrelas, sóis... É quando sinto a impossibilidade, e o sentido de tocar se me apresenta outro... Me assusto. Não há como improvisar um instrumentista num instrumento assim tão raro, digamos este que se me apresenta é um: Stradivarius. Sentiste a que vai o que tento lhe dizer?
Meus olhos assustados e insones, assim vão eles, tão arregalados. É um susto. Estou diante do inusitado, sinto que não posso me servir, de metáfora de mares e navegante intrépido a singrar mares. Estamos em pleno chão e o desenho do instrumento já se delineia claro em curvas de bojo, braço bem definido, aguardando pelos meus e pela minha... mão. Tarrachas bastante visíveis, convidando-me para a afinação, necessitando de afinação como todos os instrumentos.
Um instrumento não é uma coisa passiva, ele tem personalidade, ele tem história, ainda mais sendo um Stradivarius. Ao final dos meus braços... mãos indecisas. Olhos arregalados dos sustos que se sucedem. O corpo na passividade estranha de mal se entender com a cama. O travesseiro a testemunhar o amassado, dessarrumado destes pensamentos desafinados como que notas desabadas de um sonho mal sonhado ou estranhamente, excessivamente... real. Preciso cuidar de mim, quem sabe... de você.
Das notas destas impossibilidades, vão estas, assim alinhavadas no dessarrumado deste momento. Tal qual o aleijadinho em suas obras, instrumentos amarrados a mão, hoje assim me senti. Com muita dificuldade escrevi e reescrevi tudo que aqui vai. Sei que não me sai assim tão bem, mas por fim acho que consegui montar um quadro, daqueles de figuras retorcidas. Definitivamente, hoje é assim que me sinto. Quarta feira... Cinzas.... Só o pó.... Do que me resta um beijo simples, como selo, se isto, carta de correio fosse."


Bye, minha querida

CONTINUA
DA MONTANHA
Enviado por DA MONTANHA em 14/12/2008
Reeditado em 14/12/2008
Código do texto: T1334540
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