O Confronto Doida X Mãe

Minha filhinha pensa que eu sou um continente 100% dominado pela maternidade. Uma espécie de Ninhópolis exclusiva, que abriga o seu filhotinho e suas implicações.

É verdade que as Terras-de-Ninhópolis-do-Paraíso-Unido ocupam boa parte de mim. Mas um continente é formado de muitos acidentes: desertos, pântanos, picos inatingíveis, cordilheiras geladas... Abismos.

De vez em quando, no interior do continente, estoura uma guerra entre as nações, e o sagrado se mistura com o profano – contraditórios como as tintas do Barroco: a Doida dissidente que me habita se encrespa com o meu lado Mãe, e o bombardeio atinge o território da Moça Apaixonada, que acaba perdendo terreno, Peri e torre. Mas a tola nem reage. Em todo confronto Doida X Mãe, se exila conformada em seus escombros; e quando mostra a sua cara no Território Sagrado da Maternidade, toma todo o cuidado pra não machucar o Anjo - como palestinos e israelenses deveriam fazer lá nas bandas da Cidade Velha, em Jerusalém; ou pra que ir tão longe se há tanto tiroteio aqui nos nossos morros?

Mas a Doida, não. Dominada por estranhas pulsações, emerge de certas torrentes e, como um bárbaro, invade o Território Sagrado atrás de comando. Só não assusta a criancinha, porque a Mãe, desesperada, vem à tona – como Tétis guiada pelo choro de Aquiles - e armada com o seu baby-tacape, leva a nocaute a invasora, que sempre volta refeita para infinitos rounds.

E assim, fica estabelecida, por tempo indeterminado, uma questão palestina entre as nações que subtrai dessa Mãe o domínio total do continente. Um continente marcado por combates existenciais, abdicações e eternas marchas que geram lixões de sandálias e sapatos gastos no dia-a-dia.

Derrotas maternas à parte, a bem da verdade, a Cria é o Grande Feito Materno; a Descoberta das Índias; o Cravo e a Canela que temperam o continente. Quando a mamãe olha pra ela, não há guerra, não há nada; é como se toda essa terra fosse santa – uma santa colônia a ser explorada por uma incansável predadora...

Com a velocidade de um relâmpago, a Bonitinha, numa brincadeira, alcança os picos inatingíveis e, de lá, pula numa nuvem e faz salada de estrelas; o pântano, faz dele uma piada – quem sabe o caldeirão de uma bruxa desdentada; os desertos, povoa com casinhas, bonecas, gargalhadas... E quanto às cordilheiras, com aquele foguinho que ela tem, descongelam e escorrem para os abismos que se transformam num mar de águas calmas.

Essa menina é mesmo uma enfant terrible, não se cansa! Descobre vales e vales trás-dos-montes, mergulha nas minhas fontes, depois corre pelas pracinhas que ela mesma inventa ao redor do meu regato. E, por lá, caça borboletas, espanta os pássaros e colhe as florezinhas que brotam aos montes só pra ela. A menina plantou uma primavera eterna nos jardins do continente; e apesar dos espinhos, como é doce...

-E a Doida dissidente?

-Ah... a doida... de tanto espernear, adormece e sonha...