P. ã r i S.
Ela passava assim, como folhas que se aventuram em brincar com o vento ! E eu, notavelmente inútil, balançava-me nessa dança suave e, por que não, erótica?! Eu, que aos seus olhos não passava de um ninho vazio... e ela, aos meus e talvez também aos seus, era a personificação do sonho inerente, a sensibilidade de uma mulher tão, mas tão leve e agarrada as suas raízes, que me dava medo.
Sempre tive pavor em sentir medo, mas não por insegurança. O medo exerce sobre mim uma atração consciente, gosto pelo escuro e por ser, obviamente alcançável. E então, não só se aproximava como também me atraia, embora eu me esticasse pelas bordas... E todos os dias, sentada naquela escada esperava pelo firme, forte e ao mesmo gracioso som de seus passos...
Lembro-me que antes mesmo de chegar, ainda dentro do ônibus, ao entrar no que seria um dia o nosso bairro, já sentia a sua presença! E da presença pro suar frio e perpetuar calafrios era uma fração de segundos. Eu a sentia adentrando meus pulmões, correndo e me levantando toda! Oh, como essa mulher exalava Paris!
Ela descia aquelas escadas e eu, sempre encostada em um canto, olhava-a na esperança dos olhares se cruzarem e da cordialidade se fazer. Até que um dia não nos dissemos nada... Começamos a rir... a sensualidade com que mexia os lábios me fazia sonhar em compartilhar além. É que ria de maneira tão espontânea e ao mesmo tempo tão dosada que, embora longe de parecer e ser ensaio, soava algo decorado ansiando atingir, mas sem a insegurança de querer ser reconhecido: era a neutralidade mais pura de ser alguém natural! E essa naturalidade era tão dela que meus inúmeros esforços, minhas forçadas dúvidas e insistentes tentativas de aproximação foram inatamente ignorados.
Em sala ouví-la já não existia mais... eu a olhava e amava assim, com seu consentimento e cumplicidade, embora seus olhares raramente me encorajassem. E a sua simplicidade em reconhecer o desconhecido era tão inabalável que eu não acordava! As horas, como tinha de ser quando se quer muito viver algo, eram metaforizadas em um banho quase frio! Tão frio quanto só te sentir agora! É que eu queria estar frente a você... Às vezes me pego imaginando uma conversa de café-da-manhã, sentada assim, sobre suas pernas... os dedos entre os seus cabelos vivendo a sensação que, mesmo estrangeira, permite-me o gosto do sublime... Mas enfim, pensamentos, só.
No nosso último encontro que fora, claro, agendado meses antes, eu me dirigia desolada e ao mesmo tempo insegura. Eu não queria vê-la, não por uma ultima vez! Então me consumia nesse estado do não querer, eternizando ainda mais o inevitável.
Mas aconteceu, como que por uma obra divina, já que um acaso qualquer não melhora o trânsito parisiense, das ruas estarem vazias naquela tarde e deu antecipar a minha chegada ao prédio onde nos víamos religiosamente todas as quintas-feiras. Eu parei, encostei-me numa das portas da entrada e acendi um cigarro. Acredito que tenha fumado durante horas, visto que os olhos já não me cabiam mais! Eu era pura tristeza! Fiquei esperando para ver se ela chegava e eu, logo eu, conseguiria participar um pouco que fosse do seu já preenchido dia, mas foi em vão. Entrei sozinha e, escada por escada, lendo os papéis pregados na parede como quem lê uma receita de bolinhos numa revista religiosa, arrastei-me...
Não tive tempo nem de disfarçar! A mudança era perceptível e brusca! Foi como se movida a pilhas. O pulso acelerou-se, o corpo ergueu-se como um pinheiro! Era ela! Era ela que estava não sentada como eu, mas de pé no corredor. No último degrau, sem saber o que fazer, já que no hábito eu pararia, resolvi aventurar e seguir! Ela não disse nada, sorriu... e eu sorri de volta. Ficamos nos olhando... olhando... ela se aproximou doce e lentamente, embora decidida... chegou aqueles lábios bem próximos aos meus e leve sussurrou ao ouvido:
_ Hoje, quem não espera mais sou eu.
Paris, 14 de novembro de 2008