Cora 
 
 
Cora desde menina, era um personagem. Hábito estranho, que ninguém entedia, mas aturava como esquisitice. Tinha a cabeça nas nuvens e o pensamento longe. Vivia ‘’no mundo da lua’’, como os avós diziam. Criava histórias, brincava de faz de conta, inventava amigos imaginários...

Aos quinze anos, assistiu ‘’ E o vento levou’’, vinte e duas vezes, compulsivamente. Infelizmente, começou a sentir-se ‘’Scarlet’’, com direito a suspiros e maneirismos. A coisa ficou feia, quando implicou com a empregada Sebastiana. Mandos e desmandos, dignos de ‘’prima Donna’’. 

Dois meses em Campos do Jordão. Distante de cinema, romances e televisão. A esta altura, assumir papéis,  tornou-se um vício. A família, muito a contragosto, aturava as excentricidades. O pai queria internar, não tinha paciência com as loucuras da filha. A mãe costurava os modelos e Cora vestia-se como Audrey Hepburn. No fundo, todos achavam que era coisa de adolescente e ia passar...

Cora terminou o colégio e foi fazer escola de teatro. Atuava tão intensamente, que ignorava o diretor e fazia o que bem queria. Não deu certo, sonhos perdidos, tristeza dobrada . Sem maiores expectativas, apontada como esquisita, foi fechando-se em um mundo particular.

Aos poucos, murchou e passou a vestir-se de preto. O luto fechado, a vida estagnada, sem graça e normal. Não podia ir ao cinema, não assistia tv, deixou os livros de lado e passava os dias espiando pela janela.

Véspera de Natal, as irmãs marcaram hora e empurraram a moça no salão de beleza. Compraram um vestido novo e convenceram a Cora  a cooperar.  O noivado da irmã mais nova estava tirando a família do sério. Queriam causar boa impressão aos familiares do rapaz. 

A televisão do salão exibia  a reprise do folhetim dramático.  Amores impossíveis, protagonista determinada e sonhadora. O diálogo entre o médico e a irmã da personagem descontrolada, foi o pingo d’água. Cora bebeu as palavras do ‘’doutor’’, defendendo que a paciente,apesar das patologias, era apenas uma mulher apaixonada...

A moça partiu sem pintar as unhas dos pés. Correu pelas ruas da cidade pequena e entrou no único cinema. Sentia-se como a heroína apaixonada, cheia de vontade de seguir impulsos e realizar  os desejos. Porque tinha que ser igual aos outros?

Após tantos anos, a sensação era deliciosa, qual fruto proibido. Poucas pessoas partilhavam a sala. Era como se a sessão fosse  íntima e pessoal. Cora assistiu ‘’ A rosa púrpura do Cairo’’ em respeitoso silencio. 
Os sonhos da atriz principal, saíam da tela e criavam vida. Identificou-se imediatamente.

Mesmo com a família desesperada com o sumiço, Cora sentiu-se feliz como nunca: Natal com gosto de Ano Novo. A vida em preto e branco, sombreada  em sépia... Nuances de recomeço, vislumbres em fantasias e luz.
Alguns juram que  Cora jamais saiu do cinema e virou um fantasma vagando pelas películas...Finalmente tornou-se aquilo que sempre desejou: Um mito.



Ouça- http://br.youtube.com/watch?v=guLFLWYlQxU
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 12/12/2008
Reeditado em 24/03/2009
Código do texto: T1331281
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