Mãe Carinhosa!
Nesta tarde linda! O campo verde e colorido me inspirava ao amor!
A capivara os meus pés, como a me fazer companhia. E eu espreitava os transeuntes.
Aguardava o segundo encontro!
As flores já brotavam nesta primavera! E pela paisagem assim exuberante do parque, crescia em meu peito a esperança!
Percebo o movimento dos guarda-jardins na ambulância, carro francês, intacto e sem uso! Amadurecia na espera do doente que não se via!
Era comum observá-los a passeio, aguardando o avermelhado entardecer!
Nada era tão ligeiro como os sabiás e os beija-flores, circulando no Campo de Santana!
E agora? A ambulância, tantas vezes vazia, em sinal de alerta!
O assunto parece sėrio! Tantos enfermeiros e médicos! Pessoas caíram no chão!
Tantas doenças trazidas pelos viajantes! Febre Amarela!
Vão chegando passantes, como devo auxiliá-los? Rezo a Senhora Santana pelos doentes!
Neste encontro, tínhamos promessas! Segredos a revelar!
Ele certamente me pedirá em namoro! Conseguirei corresponder às expectativas?
Deixarei este momento, tão esperado, se concretizar?
Lembranças da festa do Divino, seu olhar suave por cima de minha testa, meus suspiros e palpitações, os lábios que não balbuciaram palavra alguma...
Conseguirei colocar as minhas mãos junto as suas?
Como espreitar sem chamar atenção? Cólera! Rodear o povo!
E se for meu amado adentrando naquela ambulância?
Como faço? Ele! Justo ele! Cercado por pessoas curiosas! Médicos e enfermeiros!
- Conhecidos por mim meu amor! Confie! Tão longe dos seus!
- Ah! Cidade Maravilhosa! Tende piedade dos doentes que, dantes aqui, não se viam!
Agora, mais perto da sua presença, passo mal!
O assunto combinado, a viagem! O almejado encontro!
- Estarei ao seu lado eternamente amor! Sempre!
Ser mulher senhorinha? - Intimidei-me?
Acompanhá-lo na ambulância? - Não ficaria bem!
- Jamais te deixaria sozinho!
Conseguiria chegar do outro lado no Campo de Santana, dando a volta pelo parque?
Já terás entrado no hospital!
- Por favor, esperem! Esperem!
E todos a olham, com espanto!
- Deixe entrar uma mãe aflita a procura de seu filho enfermo!
Mas minha senhora! Ele tem idade para ser seu pai!
E não satisfeita, quis observar o doente!
E quando convencida, respirei aliviada! O rosto me era familiar, mas, felizmente, não era meu amado!
Meu amor aguarda no Campo de Santana!
E, calmamente, sentei-me no banco! Vi cotias, pássaros, o vento refrescando minha expressão de temor, meu rosto aliviado, sem martírio pelo sofrimento de perdê-lo!
O amor era imenso!
O sol se pôs.
Eu continuei a esperá-lo junto ao lugar combinado, para sempre!
Para sua surpresa, 90 anos depois, em 1997, os jornais noticiaram:
"Foi montada uma farsa pela prefeitura, no Campo de Santana, guarda-jardins caíam fingindo-se doentes, as ambulâncias começaram a ser solicitadas. Denominada pela população, Mãe Carinhosa!..."
Ela, pensativa, voltou no tempo e constatou feliz:
Devido ao seu desespero, a farsa montada obteve veracidade!
Os guarda-jardins, fingindo-se de doentes, contribuíram com a população da Cidade, que passaram a utilizar os serviços básicos de saúde e as ambulâncias disponíveis.
Mas a população nomeou a ambulância francesa, registrando assim, seu próprio disfarce!
- Eu, que não me casara, nem tivera filhos...
Calmamente, refiz, passo a passo, a trajetória, da forma como a idade me permitia. E, caminhando novamente no Campo de Santana, pude sentir o cheiro das flores na primavera, ver as capivaras e cotias, ouvir os pássaros cantando, lembranças vivas em minha memória, o encontro, ou o desencontro, na espera do amor!
- Lá vai a Mãe Carinhosa!
Rio de Janeiro, 18 de março de 2005