Uma história de amor

Uma história de amor.

Já escutei milhares de histórias de amor, já as vi na televisão, no cinema, em livros. A a que escolhi para lhes contar é real, simples faz parte do cotidiano, mas tem um sabor muito especial.

Dalva era costureira, quando entrou na casa dos quarenta conheceu um homem que virou sua vida de ponta cabeça. Ele era desquitado, tinha três filhos adolescentes, que moravam com ele e seu pai, um simpático velhinho. Viveu com Samuel, um romance meteórico que o levou, junto com toda a sua família para a casa de Dalva que morava com sua mãe já entrada em anos. Dalva esmerou-se e deu o melhor para a família que caiu de para-quedas junto com o Samuel. No inicio, foi tudo flores, mas depois de algum tempo, uns três meses mais ou menos, as coisas começaram a se tornar insuportáveis. Samuel saia todos os fins-de-semana sem dizer onde ia, e seus filhos adolescentes deixavam Dalva tão aturdida e o seu velho pai, reclamava de tudo, que Dalva não sabia mais o que fazer, perdeu muitas freguesas de costura e também andava muito desgostosa. Lá pelos idos de Maio de 1976, encontrei-a em Madureira fazendo compras. Estava muito chorosa, e acabou contando para mim e minha mãe o seu romance e seus desacertos. Na verdade nesse nosso encontro com Dalva Samuel já havia se mudado da casa de Dalva e havia levado os filhos e o velho pai. Dalva estava desconsolada.

Lembro-me que conversamos por muito tempo. Dias depois, aconteceu algo muito singular. Minha mãe recebeu a visita de uma de suas antigas amigas que falou que seu cunhado tinha acabado de enviuvar, mas ele estava louco para arranjar uma namorada, e quem sabe futura companheira. Minha mãe comentou com sua amiga,sobre Dalva. Ieda (que hoje já é falecida), achou triste a história de Dalva e acrescentou que seu cunhado Carlos Eduardo, Cadu, também tinha sofrido muito antes de enviuvar. Sua esposa ficou presa ao leito quase vinte anos. Teve constantes cuidados do marido, por fim o câncer a levou. Cadu em vinte anos, dedicou-se exclusivamente a ela e ao único filho que já era casado e tinha uma filha (na época com quinze anos).

A idéia então de apresentá-los surgiu de minha mãe. No inicio foi difícil tentar aproximá-los, pois Cadu era completamente surdo e não falava ao telefone, e Dalva por outro lado já estava cismada e tinha certo receio de conhecer qualquer pessoa do sexo oposto. Cadu era um homem de sessenta anos, miuto bonito seu cabelo era todo prateado, um sorriso meigo e muito amigo. Além de tudo adorava contar piadas.

Resumindo a história, Dalva e Cadu foram apresentados e vocês não imaginam o que vou lhes contar. Namoraram, noivaram e se casaram. Cadu aprendeu a dirigir após os sessenta e Dalva sempre o acompanhando. Não tiveram filhos, pois Dalva, decidiu não arriscar pois já estava com quarenta e tantos anos. Viajaram pelo Brasil todo, fizeram parte do grupo de dança da terceira idade do SESC por mais de quinze anos. Eram conhecidos como o casal vinte Atualmente Cadu tem noventa anos, e o mais bonito que acho desta história é esta parte. Em Janeiro último, Dalva que sofre de Alzheimer, Chron e outras coisas, teve uma queda e quebrou o fêmur. Ficou hospitalizada durante um mês e meio até fazer a cirurgia etc. Todos os dias que ela esteve internada no hospital, sem tirar um dia, Cadu ia visitá-la. Pegava dois ônibus para ir e para voltar. Nunca reclamou de nada. Continuou fazendo tudo em casa, inclusive sendo síndico do prédio de três andares onde moram. Na verdade ele teve a ajuda de sua vizinha Márcia, mas nenhum dia de sua vida deixou de lado sua esposa e companheira. Mesmo aos noventa anos, cozinha, lava louça e faz tudo para ela e também para si mesmo. Só não dirigi mais porque tem medo.

Esta é a história de amor mais linda que já presenciei. Um amor forte, e corajoso, que ultrapassou os noventa anos de um cidadão. Que prova na sua continuidade que não existe idade, nem obstáculos quando se ama de verdade. Que o amor é realmente uma superação de barreiras, e um eterno querer estar juntos em qualquer ocasião.

Peço a Deus que lhes abençoe cada vez mais. E lhes dê ainda nessa vida muitos momentos juntos. Agora em abril eles completam vinte e nove anos de casados. È ou não uma linda história de amor?