A moça da  livraria - Giselle Sato


Todos os sábados, pego o metrô e desço no centro. Caminho uma quadra e estou na livraria. Meu mundo, onde me sinto tão bem que perco a noção das horas. Começo percorrendo as estantes, tocando os livros e apreciando as capas.

Adoro o cheirinho do papel novo, algumas vezes dá para imaginar como foram impressos. Gosto dos pequenos detalhes, das novidades e analiso tudo calmamente.  Primeiro, visito os relançamentos.

 Meus escritores preferidos, velhos amigos de tantas horas, reeditados em brochuras ou livro de bolso. Hoje em dia não tem desculpas, são acessíveis e bem feitos. Os lançamentos, são o grande final, o momento especial.

Passo infinitos minutos lendo orelhas, fuxicando as biografias e escolhendo o mais interessante. Não ligo para cotações, sigo meu instinto e quase nunca me arrependo.  

Observo as pessoas ao redor. Alguns poucos casais, raras crianças e muitos solitários. Na verdade, adoraria conhecer alguém interessante. Sobreviver nesta cidade cinza, sem um par é bem frustrante. Passo dias, sem conversar com ninguém, fora do trabalho. Nem sei quem são meus vizinhos.

Eu tento, mas acho que as pessoas, andam  evitando uns aos outros . Outro dia, quis iniciar uma conversa inocente. Coisa rápida durante a fila do banco. Fiquei com cara de doida, ninguém respondeu...

Tudo bem,  vou tomar um café expresso e comer uma fatia de torta de limão. A maioria das mesas, está ocupada com uma pessoa. Peço licença ao rapaz com óculos  grossos e cara de bonzinho. Ele resmunga que está terminando e sai mal humorado.

Meu café chega, saboreio devagar, um luxo transbordando cafeína. Delicioso. É o momento relax, agradeço não ter problemas com peso ou saúde.  

Quase na última colherinha de torta, uma criança desaba  na cadeira em frente. O pai chega, equilibrando livros de história, mochila e brinquedos. É a primeira vez que recebo um sorriso franco e espontâneo. Quase uma risada cúmplice, enquanto um saco de jujubas cai em cima do meu prato. 

Tento argumentar que estava terminando, ele não aceita e pede mais tortas e outro café. O filho é agitado e não fica um minuto parado. Mexe no açucareiro, entorna o chocolate quente e eu me ofereço para limpar o garoto.  

As pessoas ao redor, devem pensar que somos uma família. Esta idéia é realmente tola e aconchegante. Eles conversam comigo, contam que adoram o lugar e acham a torta maravilhosa. Descubro que é divorciado e passa os finais de semana com o garoto levado. Sou como uma personagem de um filme romântico. Tipo sessão da tarde. Toda sorrisos e simpatia.

Meio sem graça, termino o café e agradeço. Despedidas apressadas: até outro dia, tenha uma boa semana e foi um prazer conhecer ...o garoto já está correndo pelas escadas, o pai atrapalhado, tenta alcançar o moleque. Ele acena e eu retribuo.

No caixa, pago os livros que reservei e visto o casaco. A chuva miúda cai e as ruas estão cheias de gente indo e vindo. Impessoais figuras borradas, inexpressivas e quase tristes. Deixo a livraria, pronta para encarar o metro e voltar para casa vazia.  Protejo as mãos nos bolsos quentinhos, encontro um cartão: desculpe a bagunça, posso te convidar para outro café? Fernando.




fOTO- Ricardo Pozzo
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 30/11/2008
Reeditado em 18/12/2008
Código do texto: T1311962
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