Sísifo distópico
Querido Diário,
Várias vozes por vezes convergentes e noutras divergentes entre si compuseram esse relato, mas nem todas elas estiveram presentes. Assevero: não tenho compromisso com qualquer afirmativa. Afinal esse espaço imaginário não corresponde absolutamente qualquer ideia, sentimento, escolha, decisão ou ato. Apenas um espaço livre para asneiras. Infindáveis divagações, delírios e devaneios inscritos. Identificam-se e apetecem-se nessa leitura vulgar e insólita.
Sabe-se e aprende-se desde a mais tenra idade a preservar a segurança, muito embora se arrisque mais para obtê-la. Sinistro! Sempre esquecemos de algo e deixamos passar o que trará arrependimento um dia. Envolvemo-nos, além disso, com as situações, com as pessoas e a lida do dia-a-dia. Estafamo-nos com as exigências e as cobranças. Exaurimo-nos em corpo, mente e espírito, em algum momento da nossa jornada. Esgotam-se nossas forças. Entregamo-nos de alguma maneira, e, as nossas obscuridades tornam-se evidentes. E a hora de ficarmos em frente ao espelho chega, para enxergar e encarar o que racionalmente refutamos, ou sublimamos, ou projetamos.
Dias passam. Deveres acumulados. Dormir cada vez menos é a rotina. Doente? Depressão? Deve ser frescura. Demência. Drama. Dramatização. Depressa, deixa de desculpas. Anda! Apressa-te! Naufragamos, em seguida. Num mar do qual mal conhecemos. Nada em volta. Ninguém. Nitidamente fracassamos. Às pressas, percorremos. Assim seguimos. Aturdidos. Apáticos. Alegres, para a sorte de alguns. Atravessamos essa vida destituída de certezas. Aonde extravasar o que nos sobrecarrega? Resta, então, arriscar. Risco por se expor são improváveis...
Queixar-se, vitimizar-se, fugir dos problemas... Quesitos avaliados como covardia e fraqueza. Quem é que foge das consequências dos próprios atos e palavras? Que ingenuidade da senhora complacência. Uma vez concebida nossa existência, começamos a incessante luta pela sobrevivência – seja ela de ordem material ou não. Um dia após o outro nessa luta, até que essas inquietações e receios confrontam a estabilidade, a confiança e mesmo a fé. Enquanto esperamos, esclarecimentos delongam. Esvaecemos e esmorecemos. Escrever é um alívio, tudo pode ser desabafado sem incorrer no receio pelo julgamento de alguém que sonda e não escuta. Emudecemos e escrevemos. Mas a mente não emudece. Maldição, o problema não é eliminado nem resolvido se ele não for desenvolvido pela palavra. Mentiras narradas. Mentiras, em que medida? Máscaras aparecem, multifacetados somos: cala a boca narcisista! Mostre-me. Mostre-se. Mastigue tudo. Misture um pouco de deleite nisso tudo.
Trapaças, troças, traquinagens e traições que transtornam e travam a vida de qualquer um, sobremaneira quando não se prevê sua precedência. Taciturnamente se irrompem abismos, laços são desfeitos e obstáculos são ardilosamente erigidos. Tropeços acontecem e envergonham. Transfigurando as almas que jogam nessa ciranda esse bode. Expiados serão todos. E como é que faz para se reerguer desse caos sorrateiramente lançado? É claro. Esclarecido tudo será algum dia, ou, esperança é a última que morre – dizem por aí os mais velhos.
Pelo amor de Deus, pureza nas intenções em primeiro plano? Pedra vai e volta, dia após dia; pena, né, Sísifo? Perecerás o prejuízo premeditado pelas costas por não ter te preservado. Pedra no sapato. Pedra atirada. Ultrajado tu fostes. Burrice. Baixamos a guarda. Bem-aventurado somos. Levianamente como fora escrito, serás visto. Inquirido, julgado e condenado. Com tua licença! Agora já era! Reportei-te riscos, rabiscos, rascunhos de um raciocínio que ridiculariza e ruboriza a razão. Resta a todos nós: rachar de rir dessas asneiras.