retalhos
deixo pousar aqui minha canção desconexa. vou lavar o peito e o desassossego. nessa tarde cinza que ainda assim se vai. há tantas inquietações e os dias têm sido estranhos, eu sei. por vezes tenho pressa, por tantas, solidão. os caminhos a escorrer por entre os dedos, entre as palmas das mãos estendidas e angustiadas. levo esses gostos e dissabores, leves. me leva pra sempre... e desses dias em diante, só pintarei sonhos inventados. usar cores e borrar essa tela fria. e se o orvalho insistir em tingir a grama? e se a chuva cair fina e infinita até meu coração doer? tem coisas que não são em mim respostas. e sei que nem tenho feito as perguntas corretas. e se eu calar como cala uma flor? simplesmente parar e sorrir. sentar nessa beira de estrada e me deixar ficar. a olhar os dias que transcorrem densos, a água a pairar nas folhas, o vento a tocar o silêncio.
como uma pausa para tornar-se. um ensaio derradeiro, um peça em falso. um passo em aberto.
vou pintar um nome de azul. manchar as paredes, a mecha, os cadernos todos. e se eu cansar desse silêncio talvez então eu tenha algo a dizer. fora isso fico aqui. no quarto áspero de cortinas amareladas pelo sol de ontem. porque hoje choveu. insistentemente. choveu como nos dias em que se morre. e sabe como é ter chegado e ainda assim não estar lá? é apenas isso. feito vento triste e úmido. de algumas flores as raízes são frágeis. e a água me retira disso que sou. me leva para onde nem sou ainda. e escorro por entre fotos e antiguidades. e me escondo em folhas simples, em versos fáceis sem rimas. e me aninho com o que ontem. o que nem ao menos. sei. e fico aqui, repetindo essa canção desesperada. até a noite cair inteira em meus olhos.