Memórias...

Marcos Bitencourt.

Domingo, um dia qualquer de um mês qualquer. Até nem sei é domingo, apenas digo isso porque paramos para descansar um pouco. Já foi o sol do meio dia e continuamos a descansar, apenas ficamos a nos olhar, a mirar nossas roupas em farrapos... Talvez seja por esse motivo que nos chamam assim: “Farrapos”...

Vejo meu rancho, minha prenda a cuidar dos bichos, o guri mais velho corta lenha para o sustento da noite fria, o mais novo brinca ao redor de uma figueira com sua tropa de osso.

_ “Vamos, Farrapo, levanta que tá na hora”. Sou acordado desta maneria, despertado de meu sono e me negado o direito de um sonho.

Mas por que esta saudade, este aperto no peito se não deixei nenhuma prenda a me esperar, não tenho nenhum filho, deixei somente meu cusco a cuidar do rancho. A bicharada dei consumo, total, não poderia cuidar mesmo. Sinto falta do meu rancho. -“Cuida bem de tudo, cusco, daqui a pouco tô de volta”...

Peleei por muito tempo por campos que nem lembro onde ficam finalmente vou voltar pro rancho. Não sei se vou encontrar meu cusco, faz muito tempo...

Entre homenagens, medalhas, honrarias, eu só lembrava o meu canto. Finalmente me vou prás casas.

Também me deram um pouco de pila prá recomeçar, ganhei um lobuno mui lindo, bom de doma, levei também a lembrança dos amigos que fiz na revolução...

Já dou de vista no meu ranchito, esporeio meu cavalo prá chegar de uma vez.

Chego à porteira, apeio, um silêncio de dar dó, tá do mesmo jeito que deixei, é só dar uma caprichada prá tudo voltar a ser o que era antes.

-“Mas o que é isso, cusco, não me conhece mais”...

Deu muito trabalho, mas ficou bagual de lindo outra vez...

-“ÔÔÔ de casa... ÔÔÔ de casa”.

- Bah, mas quem será essa hora. -

-Buenas, apeie e se aprochegue vivente, vamos prá perto do fogo que o minuano tá cortando, pode largar o cavalo no galpão “...

Assim segui até o fim de meus dias, como muitos que lutaram na revolução seguiram anônimos, sem sequer saber o que é glória, cuidando de seus ranchos abandonados, de seus cuscos, contando causos pros netos, pros bisnetos e por fim pros anjinhos lá no céu...

Marcos Bitencourt
Enviado por Marcos Bitencourt em 14/05/2008
Reeditado em 14/01/2017
Código do texto: T989528
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