“Ô baxim teimoso”...

 

 

Era tradicional, todos os sábados, o “rela-bucho” naquela cidadezinha do interior.

Sêo Cazuza, homem de pouca fala, gostava muito de “musga sertaneja”. Conhecido e afamado nas redondezas como “pé-de-valsa”, em seus oitenta anos bem vividos, ainda fazia inveja a muito “nego” “nos forró”.

Apaixonado pela dança, construiu em seu minifúndio, um barracão exclusivamente para o “rala-coxa”. O salão era pequeno, de acordo com suas posses, mas atendia bem aos seus desejos. Contratou, por tempo indeterminado, um trio conhecido como Os Azulões, três homens acaboclados, que “faziam misérias” com uma sanfona, um zabumba e um “trianglo” nas mãos.

Sêo Cazuza se orgulhava de nunca ter havido uma briga em suas festas. Afinal, todo mundo se conhecia. Todos eram imbricados na labuta, nas tristezas, nas alegrias da comunidade e, todos os sábados, dia da “gandaia”, o barracão de terra batida a muque, alumiado a lampião de gás em cada canto da parede, lotava, para gáudio do velho sertanejo. A concentração, às vezes era tanta, que precisava se fazer um intervalo a cada duas horas, para dar uma aguada. O calor humano, o pisotear frenético provocado pelo resfolegar cansado da sanfona de oito baixos, secava o chão, levantava poeira.

Naquela noite de sábado, estava lotadíssimo. Os Azulões estavam espremidos num canto de parede. Caboclas lindíssimas, cheirando a açucena, em seus domingueiros vestidos de chita, caboclos de mãos calosas, com “os côro” cheirando a mata-pasto, empesteavam o salão. A asma da sanfona, o repenique do “trianglo” e a marcação do zabumba contagiaram a todos, que saíram encangados, dois-a-dois, apertadinhos nos corpos e espremidos “um nos outro”, dentro do salão.

O ambiente estava um fogo de calor e cheio de resmungados no “pé-douvido”. Todo mundo ensopado. Um caboclo “baixim”, amareloso, “estrãim no pedaço”, vindo, não se sabe de onde, atracado como um “carrapato numa vaca”, numa morena volumosa, cismou com o zabumbeiro do trio e toda vez que passava, dava um murro em seu instrumento, quebrando o compasso da música. O tocador, na primeira vez, “oiou” atravessado. No segundo murro, entendeu como provocação e já mandou o recado: “tome jeito, baxim”. O caboclo “amarelim” saiu gingando, puxando a morena, dando uma risada de deboche.

Dia amanhecendo, os Azulões puxaram a “saideira”. Mandaram ver um forró “miudim”, picado, de fazer as caboclas mexerem os quadris à força, levando os “ome” ao delírio. O “amarelim”, ao passar pelo zabumbeiro levanta o braço, de murro em punho. O zabumbeiro puxa uma “lambedeira” de doze polegadas e a enterra todinha no suvaco do “amareloso”, de cima pra baixo, que já caiu se coalhando em sangue, na poeira do salão. O zabumbeiro o olha agonizando, e reza o seu epitáfio:

- Ô “baxim” teimoso...  

 

 

(Foto: trio de tocadores típicos, do forró original, de raiz... – Imagem Google)

Sagüi
Enviado por Sagüi em 27/04/2008
Reeditado em 04/02/2010
Código do texto: T964440
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