A perfeita criatura

Muitos personagens criados, e na maioria das vezes, mortos por seus autores, se imortalizam na crença popular, que acabam se confundindo com pessoas reais. Na cabeça de um escritor, existem milhões de idéias, e personagens, muitos morrem ali mesmo, outros se desprendem e saem pelo mundo, assim como os filhos, acabam achando que os pais, ou no caso, o pai, não manda mais neles. Se bem, que criar um personagem, é menos trabalhoso e mais barato que criar um filho. Porém, criar uma personalidade imaginaria leva tempo. Às vezes os próprios se moldam, como exemplo, a Tininha. Imaginei-a magra e maluca por dietas, além de viver em academias. Com o tempo ela saiu da ficção para a realidade e lhe presenteou com formas esculturais.

Seu ego tornou imensurável. Soube-se também, que era loura, talvez uma tintura, olhos azuis, muito bonita, entre outras qualidades bem salientes, além de perfeita. Ela que se moldou assim, diga-se de passagem, é gosto dela, não meu. Ta certo que gosto é gosto e não se discute, apenas lamenta, mas ela se revoltou contra o criador. Havia criado ela a menos de cinco crônicas, jovem ainda, mesmo assim ela teima em esconder a idade. Tentei acalmá-la, em vão.

- Você não entende. Estou nas tuas mãos. Você decide minha vida. Você é Deus para mim, tenho que fazer o que você quer que eu faça.

Tentei explicar que deus era uma criação do homem, por isso imaginavam ser a imagem e semelhança do criador. Neste momento ela fez o sinal da cruz, nem sei onde ela aprendeu isso.

- Ainda bem que eu não te imaginei, nem sou sua imagem e semelhança... Peraí... Se eu sou sua criatura, e a criatura imagina o criador... Somos nada... Tu és uma imaginação minha e eu sou uma imaginação tua...

O duro foi agüentar ela fazendo uma dancinha seqüelada a tarde inteira. Aquilo deu um nó de marinheiro na cabeça da coitada. Dois dias depois, desfeito o nó, insistiu que queria ir a um analista, mas precisava ser o Analista de Bagé. Para não provocar outro emaranhado de semanas, fiquei quieto e democraticamente disse que não, tentei levá-la a força noutro mais perto. Ela ameaçou pular da décima linha. Negociamos arduamente. Um mês depois decidiu.

- Quero o Freud.

Não sei onde ela leu sobre isso, mas queria mesmo era arrumar encrenca. Desta vez quem enlouqueceu fui eu. Mesmo assim não procuraria um, pois com certeza, ele me mandaria procurar um psiquiatra. Mas ela queria fazer uma auto-analise. Não deixei. Resolvi arrumar-lhe um marido.

- Ainda bem, vai ser da minha costela? Preciso ficar com cintura mais definida. Mas não faça a sua imagem e semelhança. Não vou tolerar um baixinho, barrigudo e feio... que certamente vai ficar careca... essa tua cabeleireira não me engana...

Descobri porque deus fez a mulher depois. Mas uma coisa é certa, preciso controlar o que esta mulher está lendo.

Depois de dias, ainda com insônia e fortes dores de cabeça, sem uma solução plausível para o caso, tento uma de psicólogo, puxando pelas memórias dela. Ela retrucou.

- Você pode dizer o que quiser. Nunca fui o que queria ter sido. Poderias dizer que fui veterinária ou que tenho medo de baratas. Vai dar do mesmo. Vai coloca aí, qualquer coisa que o valha...

Estava difícil. Não tinha reminiscências e nem poderia indagar sobre a relação com a mãe. Já não sabia como demovê-la da idéia de usar o corretor ortográfico. Tentei argumentar. Que apaziguaria a saudade do Carlos.

- Apazi... O quê?

Estava começando a voltar ao normal. Expliquei em detalhes. Ela suspirou.

- Ah! Cacá... Cacá...

Tentei usar isso a meu favor. Alegando que esse apelido eu não tinha dado. Estava fora do meu alcance.

- Está bem. Chega de piadinhas. Cadê as câmeras?

Sentia-se num Reality Show. Não tem ninguém vigiando nada.

- Tem sim e é você. Você é o diretor desse negocio. Qual é a rede de TV?

Como não saiamos do zero a zero, resolvi levá-la ao Shopping, mulher nenhuma recusa umas comprinhas, mas o caso era mais grave, ela retrucou.

- Eu não disse? Você me fez vir a um lugar que eu não queria.

Agora sim, me tirara do sério. Levei-a para uma sala enorme repleta de armas. Uma borracha, um error-ex, entre outras armas fatais.

- Me leva pra casa. Quero ver marido.

Uma crueldade. Mas ela precisava saber quem manda aqui.

J B Ziegler
Enviado por J B Ziegler em 18/04/2008
Reeditado em 18/04/2008
Código do texto: T950812
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