VIDA

A minha direita, a praia vai até a imponente Serra do Itatins. Um rastro de luz perambula por ondas em minha frente, denunciando a presença fulgurante de uma lua cheia. E por fim ela some de vista a minha esquerda, perdendo-se no breu da noite.

E eu,de coraçao apertado a observar tudo isso. A pouco tempo atraz escrevia meus textos, contos, crônicas, pensamentos no velho estilo de papel e caneta debruçado sobre uma mesa. Simples prático e rápido. Com o andar dos tempos, fui ficando cada vez mais debilitado. A caneta e eu não nos entendíamos mais. Aí pintou uma solução: computador. Um bicho de sete cabeças. Fazer o quê ? Escreveria, apagaria, corrigiria tudo e um monte de outras opções, com o menor esfôrço. E o melhor, não teria mais que me degladiar com a caneta e muito menos com o papel. E a solução estava dada. Muitos personagens queriam expressar suas idéias, manhas ou artimanhas ou sei lá o quê. O importante é que a boca deles estava aberta.

Em um dia infeliz resolvi movimentar o tal “cpu”. Não podia nem com uma caneta, imagina com aquele peso. Não deu outra, danifiquei o “hd” com a pancada. Senti o que a caneta sentiu quando a abandonei. Tudo se perdeu pra sempre, diante do meu desespero uma solução para o futuro: “disquete”. Assim nunca mais eu me separaria deles. Era só salvar tudo e pronto. Poderia levá-los comigo para qualquer lugar. Com esse negocio de amanhecer e anoitecer o tal do tempo passou.”Disquetes”. Dormia e acordava em paz, acreditava nessa doce ilusão.

Agora esse aperto no coração de tanta saudades de uma filha distante, se juntou com a tristeza de saber que meus disquetes estão ultrapassados, bloqueados e que é a vez do tal “cd”. Vejam só, novamente estavam silenciando os meus personagens. “Drive de disquete” virou coisa do passado. Apareceu-me a pouco. Como podia ser do passado? Quando mostrei o volume dos que tinham estragado me disseram:

- Você não perdeu nada. Um “cd” tem capacidade de amazenar no mínimo o conteúdo de uns quinhentos desses. Joque fora! Isso já era. Eles só podem amazenar 1,4 mega bytes e em um cd 700 mega bytes.

- E os meus personagens? Viraram isso,”bytes”. Podiam ir pro lixo.

Aí pintou saudade do papel e da caneta.

- Fazer o quê?

Agora querem usar para pesquiza as células embrionárias que deveriam estar no abrigo de um útero. Almejam alcançar a cura de doenças com essa técnica, mas que preço a pagar? Esse beneficio talvez me alcançaria se não a mim futuras geraçoes. Estou fora, não quero a tarja de assassino. Afinal eu sou o resultado dessa união celular e ter vindo á luz foi uma boa ideia.

Banalizar a vida. Parece rotina. Jogaram a Izabella do sexto andar. Ela só tinha cinco anos. Era uma pequena atriz dando seus pequenos passos nesse maravilhoso palco que é a vida. Foi arremessada covardemente pela janela por um buraco na rede que estava ali para protegê-la, mas não sem antes sofrer agressões ferozes no apartarmento de seu pai e de sua madrasta machando-o com seu sangue. Gritos ao invés de gargalhadas. Vermelho sangue ao invés do rosa, azul, amarelo de seus brinquedos multicoloridos. Existe punição para tamanha covardia? Aonde vamos parar? Tudo vai ser quantificado em bytes?

Afinal somos atores! Sempre existe um ás na manga para meus personagens: um drive de disquete a ser instalado e os meus personagens saíram do limbo mais uma vez. Para ela, infelizmente, as cortinas se fecharam as luzes se apagaram. E a plateia? Essa vai ficar aquardando a justiça com um nó na garganta.

DiMiTRi

6/4/08 15:54