Cumedô de Pintos
Marquinho era um desses caboclinhos digamos meio “atrapaiado”. Veio para São José dos Campos para arrumar serviço e algumas encrencas, já que tinha arrumado muitas confusões pelas bandas de Delfim Moreira, Itajubá, Marmelópolis, Santa Rita e região.
Mas uma qualidade ele tinha: era muito honesto e trabalhador. Desses caboclos que não “injeitava” nada como ele mesmo costumava a dizer.
Era no cabo de uma enxada, no gancho (foice), como servente de pedreiro e na marmoraria onde se profissionalizou. Toninho frangão, também homem honesto e trabalhador, que o diga. Trabalhou com ele na roça e não cansava de repetir: “Foi preciso aparecer esse mineiro aqui nos Souzas para fazer frente comigo num serviço”
Pois bem, vamos tentar justificar o título do texto. Num sábado, eu estava na casa de meu irmão Ferrão em SJCampos e não é que me aparece o “benedito” cujo com apenas uma sacolinha (destas de supermercado) na mão com algumas roupas e um par de botas.
Contou que estava sem lugar para morar e pediu para ficar morando na minha chácara no bairro dos Souzas em Monteiro Lobato.
Analisando os prós e os contras, decidimos (Eu mais Tereza) que na segunda feira eu o levaria para a chácara e assim o fiz.
Em resumo: Em prazo de poucos meses, aquilo estava uma beleza. Carpido, Roçado e com uma criação de porcos e galinhas, de causar inveja.
Aparentemente tudo corria bem, Marquinho tinha por companhia a porca “gironda” e suas crias, a égua “princesa”, a galinhada com seus respectivos pintos e “Pingo” um cachorro malhado, personagem fundamental desta narrativa, que ganhamos de um sitiante vizinho.
Tinha também por companhia algumas “corôas” que ele arrastava dos forrós da vida.
Certo dia Marquinho me comentou:
- “Tio Paulo, tem pinto sumino du terrero i eu acho qui é esse cachorro i eu ainda vô discobri”.
Como tive que viajar e só retornei após três semanas na chácara, querendo saber das novidades e também notando a ausência do Pingo perguntei:
- E aí Marquinho, que fim levou o nosso cachorro?
E ele: - O “cumedô” era ele “memo”, Tio Paulo!
- E o que você fez com ele? Perguntei.
- Prá esse tipo di cachorro só tem um jeito. Respondeu.
- E que jeito é esse Marquinho? Você matou o Pingo? Falei assustado.
- “Capáis memo!”. E explicou:
- Eu amarrei o danado, peguei um pintinho e matei.
- Matou um pinto Marquinho?
- “Prestenção” Tio Paulo. Matei e assei cum pena i tudo na brasa e infiei na boca do “disgramado”.
- “Nossinhora” Eu nunca tinha ouvido falar numa receita dessas, “rapáis”!
- “Num fáia” Tio Paulo!
- Mais e o cachorro? Perguntei já mais curioso.
- Depois de urrar “quinem” um loco ele disapareceu. “Virô Urú”
- E não voltou mais aqui?
- “Vortô o fidumaputa”. Numa manhã eu tava “tratano” das galinha e vi ele perto dos pintos “travêis”.
- E o que você fez, homem?
- Primêro eu fiquei observano se ele ia atacá us pintos di novo. Ele foi chegano cada vêis mais perto deles i eu só “ispiano”.
- E aí, Marquinho?
- Tio Paulo, o senhor num vai acreditá. Quando ele chegô bem perto de um pintinho é que eu pude “arrepará”, direito!
- Reparar o quê Marquinho?
- Num é que o “marvado” tava “assoprano” o pinto, achano que ele tava quente.
- Cachorro soprando o pinto antes de comer, Marquinho?
- Pois eu “num to falano”, Uai!!!
Gente, o Marquinho carregava a fama de Briguento, Beberrão, Mulherengo e outros predicados, mais de “Mintiroso” não!!
Essa foi a maneira que encontrei de prestar uma homenagem ao meu sobrinho, Marcos Nunes, companheiro fiel de muitos forrós, bebedeiras, brigas e lida do dia a dia.