FIM DE ANO

Agora já são trinta e um de dezembro, minutos para virada do ano. Sinto um calafrio correndo espinha abaixo quando ouço o pipocar dos fogos de artifício. Vai chegar àquela hora única e me dá um desespero quando lembro que entrei de cabeça naquela besteira de pedir que alguma coisa acontecesse nesse ano. Como sinto falta dele. Vou contar o acontecido.

Estava sentadão e com um calor absurdo. Segurava uma bela cerveja estalando de gelada no meio daquele monte de gente fazendo uma algazarra danada. Cada um tinha o seu relógio, virou bagunça cada relógio marcava os minutos como bem entendesse. Erraram umas três vezes no mínimo, a tal da meia noite.

E me aconteceu aquilo. Tinham que vir me lembrar de fazer um pedido ou uma promessa na virada do ano. Vejam só o tamanho da bobagem em que fui me meter. Lá fora começaram a contar os segundos junto com um festival pirotécnico.

Mas o fato é que nesse dado momento, lembrei-me do pedido e olhei para o meu companheiro de muitas décadas e resolvi romper relações com ele. Estava me maltratando demais. Sabe como é para aqueles momentos com ou sem roupa. Fora o incômodo de sua presença, não para mim, mas para os outros. Vire e mexe eu tinha que sair do ambiente que estava para curtí-lo. Não achava isso justo. Discriminação? Chatice? Ou sei lá o quê. Houve um tempo em que isso era moderno, mas agora e para o bem de todos, e por mim também, olhei-o justo na hora que todo mundo levantava o copo.

E desejei largá-lo. As coisas entre nós tinham saído do controle. Tinha que ser homem o suficiente para encarar esse fato e por fim àquele tormento.

E virou o ano. As tais doze badaladas aconteceram. Nem percebi quando fiz a tal promessa. Mas tinha que acontecer numa quinta-feira antes do carnaval, e numa mesa com uma feijoada completa. Até a dita cuja laranjinha cortada estava lá. E na frente do meu prato uma danada de uma caipirinha me encarando com uma rodela de limão na borda, suada, perfumada, saborosíssima. Tinha tudo pronto para ir ter um dedo de prosa com meu terno e eterno companheiro, amigo e amante no sofá. E quem sabe? Uma pestana rápida. Aí seria o máximo!

Acariciei-o correndo os dedos sobre ele. Mas quando o toquei senti-o frio e distante. Nossa relação tinha se acabado.

Uma sensação estranha tomou posse de mim. Íntimos por tantas décadas e agora isso. Um certo desespero ou agonia me corroia por dentro, inexplicável esse sentimento.

Enfrentar a vida só, não seria nada fácil. Tinha sido meu confidente, meu parceirão mesmo. Desses que não se encontra por aí.

Amigo para todas as horas. Quantas iras e alegrias vivenciamos juntos. Perdi a conta de quantas vezes saí à sua procura noite afora, enfrentando chuva e frio e agora isso.

Fiz-lhe um último carinho, tentando achar o nosso destino que me parecia eterno, mas nada encontrei. Eu precisava encontrar forças e aí, dei uma respirada bem funda e lhe abandonei retirando a mão vagarosamente sobre ele. Triste muito triste, mas é assim mesmo. Vi-o partir. Meu último maço de cigarros se foi junto com todas as sobras daquela maravilha de refeição, para o lixo.

Mas esse ano eu não quero muita coisa, vou desejar saúde e prosperidade. Só isso. Quero me poupar de grandes sacrifícios. Chega dessa besteira de promessa. E começou a contagem regressiva. Fiquei atento, mas aí olhei para o céu e aquela sensação do fim de alguma coisa e do inicio da outra, tomou conta. Vi aquele pipocar multicolorido dos fogos e não sei por que, eu, que morro de medo de avião, me deu uma vontade louca de estar naquele céu. Ficar solto no espaço em um pára-quedas. Só eu e ele. Deve ser muito bom.

E quando menos esperei fui sacudido por abraços, beijos, cumprimentos. E foi nesse exato segundo que me toquei dos meus pensamentos, mas dessa vez não vai dar certo, pelo menos espero que não. Afinal morro de medo de avião. Dessa vez me livrei, espero.