O perseguidor
Ele amava-a. Mesmo não a conhecendo, adorava-a de uma forma que só um homem completamente perdido de amores consegue adorar uma mulher. Não a conhecia e, por esse motivo, não lhe dizia nada. Via-a muitas vezes na rua, nos corredores dos centros comerciais, nos filmes que passavam no cinema, na imaginação. Ele sabia que ela se chamava Ana.
Ela não sabia o nome dele. Não o conhecia. Se passava por ele nas ruas, não o via, não se lembrava de pôr os olhos em cima dele. Não que ele não fosse um sujeito bonito, atraente. Ela é que nem se lembrava de olhar para desconhecidos e, quase por obra do acaso, começar a se apaixonar por eles. Ela era uma mulher resolvida. Tinha marido. Um marido que a preenchia. Fazia sexo duas vezes por dia. Saía com as amigas. Não tinha filhas (não as queria ter). A carreira profissional não lhe podia correr melhor: nem sempre precisava de abrir as pernas ao patrão.
Ele era escritor. Costumava dizer aos amigos que não sabia fazer mais nada, que se não escrevesse, só saberia ficar de braços cruzados a ver o tempo a passar. Claro que, quando dizia este tipo de coisas, exagerava. Nenhum homem sabe apenas escrever. É, aliás, mais fácil um homem ter jeito para uma coisa e, como complemento, ter vontade de escrever. Ser, por exemplo, agricultor e, nas horas extra, escrever, escrever, escrever, até fazer uma obra e não saber o que fazer dela. Se enfiá-la na gaveta, se queimá-la, se passar pela humilhação de mostrá-la aos outros, aos inimigos.
Ela trabalhava como secretária num escritório. Não desempenhava funções demasiado exigentes, é certo. Mas ganhava dinheiro e, como se sabe, andar com notas nos bolsos é meio caminho para a realização pessoal. Além disso, ela não era inteligente ao ponto de poder viver dos livros. O trabalho de secretária cabia-lhe tão bem quanto as saias minúsculas que vestia à quinta-feira, dia de se pôr de joelhos diante do chefe. Como não levava trabalho para casa, tinha ainda tempo para o marido, para os filmes com o marido, para os jantares com o marido e com os amigos do marido. Era uma esposa dedicada.
Como escritor, ele não poderia deixar de ser perverso. Procurava sempre os mesmos sítios, os mesmos lugares, as mesmas posições. Não era doente mental, não. Era perverso. Gostava de vê-la na rua e imaginar-se no chuveiro com ela, a morder-lhe os seios, a trincar-lhe o pescoço, a engolir-lhe a língua. Gostava de imaginar-se a violá-la na rua, perante o mundo inteiro. Ele não a conhecia, não sabia nada sobre ela, no entanto, pressentia-lhe o cheiro e, escondido nas sombras da cidade, seguia-a quase todos os dias, até ela desaparecer para dentro de um edifício, de um carro, de um transporte público.
Ela era uma desconhecida. Por outras palavras, não tinha personalidade para descer de um papel que poderia ser de outra qualquer para ganhar um nome, uma cara, uma figura. O escritor embirrava com ela precisamente por essa razão: por ela não ter uma figura. Ela era sexo. O escritor amava-a, sim, amava-a. Poderia viver mais mil anos que não a deixaria de amar. Mas tinha um amor solitário.
Ela jantava numa mesa do restaurante, ele permanecia escondido na sombra a olhar para a forma como a sua musa se mexia, se roçava nas cadeiras, transpirava sensualidade. Ele era louco por ela, mas sabia que ela não servia para falar, para pensar, para compreender. No fundo, nem ele servia para essas coisas.