Mary, o Cowboy e o vazio
Ao passar por um homem na rua, Mary corou. A cara dele não lhe dizia nada. Não o conhecia, não o achava minimamente bonito. Se, por acaso, lhe pedissem para dar uma pontuação de zero a dez àquele homem, escolheria um e três. A verdade, no entanto, é que, por estar a pensar nele, Mary não poderia ser completamente isenta, desinteressada. Olhou para trás. O homem não olhara para ela. Caminhava a passos largos. Deveria ter algum compromisso. Tinha cara de trabalhador braçal. Uma espécie de cowboy. Só lhe faltavam o chapéu e o feno no canto da boca. Não era homem para ela. Nunca na vida. Ela era requintada, apreciava música clássica, assistia a espectáculos de ópera com a tia, ia pelo menos uma vez por semana ao teatro e conhecia os clássicos. Nunca um homem com cheiro de animal no corpo e com sarro na pele lhe poderia despertar algum tipo de interesse.
«Mas porque pensas nele?»
«Ele é tudo o que eu sempre quis.»
Adam passou por uma finória na rua e esboçou um sorriso. Não um sorriso de quem pergunta se a vida corre bem, mas um sorriso provocador, daqueles que dizem mais do que certas frases. A mulher era bela, boa e tinha ar de convencida. O que mais poderia um macho pedir? Apesar de ter sido criado no campo, Adam sabia que não se poderia meter com uma miúda da cidade sem mais nem menos. Além disso, não era ignorante ao ponto de pensar que atraía lindas princesas. À excepção de um ou dois casos com pequenas amiguinhas da adolescência, nunca namorara, nunca beijara, nunca apalpara. Adam não sabia o que era sentir o interior de uma mulher através do seu próprio sexo. Era virgem.
«Por que não lhe falaste?»
«Ela nunca falaria comigo.»
«E se falasse?»
Mary quis voltar para trás, falar com o cowboy, beijá-lo, levá-lo para um quarto de hotel, chamar-lhe nomes porcos. Porém, a sua vergonha era impeditiva de qualquer tipo de acção. Não saberia como reagir depois de ir para a cama com um homem feio e sujo. Pensava na mãe, pensava na avó. Censura. Mas que mal viria ao mundo se perdesse a cabeça? Nenhum. Ela queria procurá-lo por entre a multidão, ela queria dizer-lhe tudo o que nunca dissera a homem nenhum. Ele já não lá estava.
Adam gostava de andar depressa. Tinha sempre montes de coisas para fazer. Desta vez, precisava de comprar ração para os cães. Foi a andar depressa que a imagem da sereia se foi esfumando da sua cabeça. Aliás, depois da sereia, já muitas sereias por ele haviam passado e olhado. Aquela era especial, tinha qualquer coisa de especial, mas desaparecera.
Apesar de boa, bela e convencida, Mary ficou apaixonada pela bruta imagem do desconhecido. Pensaria nele durante vários dias e meses. A fazer amor com o namorado, lembrar-se-ia do desconhecido.
Adam não conhecia o amor. Vivia para a família e para os animais. Naquela noite, lembrar-se-ia da princesa no momento da masturbação.