O BÊBADO "ESTUPRADO" NUMA DELEGACIA DE POLÍCIA.

Viver no interior tem lá suas vantagens. A vida flui. Tudo é motivo de conversa. Os comentários às coisas mais bizarras se sucedem e tem um valor especial. As pessoas se dão. Todos se conhecem e a vida transcorre preguiçosamente, sem qualquer pressa. Sem as correrias das grandes cidades.

Embora hoje não seja mais um lugar sossegado com outrora, pois a violência campeia o Brasil todo; de Norte a Sul, de Leste a Oeste, passando pelas zonas intermediárias: Sudeste, Nordeste. As drogas, os assaltos se sucedem em todas as partes. Mesmo assim, ainda é menos perigoso do que nas grandes cidades, e vale a pena se viver pelos interiores. Vive-se mais.

Entretanto, como ia dizendo as pessoas conversam. As conversas se sucedem e todos se conhecem. Uma história é contada anos a fio. Todo mundo, quando acontece qualquer novidade, sabe e passa adiante. O quê é bom ou ruim. Neste caso ruim, e sucedeu-se numa cidadezinha do interior cearense. É um caso bem pitoresco devido ao inusitado desfecho.

Pois bem. Lá para os lados do Cariri, um sujeito bebeu suas cachaças e resolveu, como um bom bêbado, botar boneco, a prontar, com se diz por aqui. Ou seja, traduzindo o Cearês, resolveu criar confusões. E passou o dia todo naquela de beber cachaça, provocar brigas, arranjar encrencas.

Depois de muito perturbar a paz da cidade, foi preso. O delegado não teve a menor contemplação e meteu o cachaceiro no xilindró, que foi jogado dentro de uma cela. Numa cela de delegacia, onde cabem cinco mais tem cinqüenta, cem, quem for chegando entra.

Jogaram o sujeito lá como se joga um saco de lixo. Naquela cela imunda e cheia de presos de toda espécie. Ladrão, maconheiro, traficante – tem no interior também, assassino. Enfim, junto a uma corja de marginais da pior espécie, embora o bêbado fosse apenas um bêbado chato, que mesmo criando casos não podia ser considerado perigoso à sociedade e devesse ser preso junto com tais elementos, mesmo precisasse de um corretivo para melhorar o comportamento.

Nessas prisões, sabe-se que a vida é difícil. O sujeito se vira como pode. O mais forte manda no pedaço e faz o que bem entende. Decide a vida na cadeia. E quando chega um novato, esse tem logo que entrar no esquema lá de dentro. E com o pobre coitado não foi diferente.

Jogado na prisão, foi logo agarrado por um negrão de uns dois metros de altura por dois de largura. Um armário que mandava ali. O negrão já pegou o bêbado e assumiu o cara. Um sujeito pequeno e franzino que não tinha como esboçar qualquer reação. E mesmo se quisesse não podia. Sabemos que na cadeia prevalecem as guangues, normalmente, o chefão conta com uma turma de apoio da pesada e quando decide fazer qualquer coisa, sempre se vale, além de sua força física própria, da dos demais membros. E assim, não tem como se reagir. É aceitar ou morrer. E foi o que aconteceu com o coitado.

Subjugado pela força do negrão. Não pôde resistir, ou melhor, reagir, pois resistir não sei se seria ou termo adequado. Ou seja, quando jogado dentro da prisão, o negrão, que há tempo vinha morando naquela localidade; primeiro por ser grátis a moradia e a comida; depois por não ter que trabalhar, gastar dinheiro com roupa, transporte, essas coisas do dia-a-dia, por fim não via mulher há tempos, e resolveu fazer amor com o coitado do bêbado naquele mesmo dia. Ali mesmo na maior, quase na frente de todos, isolados apenas pela porta da privada da cadeia.

Sem forças, ao bêbado não restou outra coisa sem deixar rolar, mesmo a contra gosto, mas fazer o que. Brigar. Não tinha força e mesmo assim, além de apanhar ainda seria comido de qualquer forma. Eram duas opções. Todas duas horríveis. Mas dos males o menor. Se era de apanhar e ser comido; preferiu ser comido e não apanhar. Assim pensando, deixou correr.

Levado para a privada, onde o negrão foi arrochar o coitado. Fez o que achava que devia. Como estava a perigo, comer o bêbado lhe deu a maior tesão e no afã da situação, já nos estertores do prazer, que era enorme, agarrou o bêbado pelo pescoço, exultante exclamou:

- Eu te amo!

O coitado do bêbado, com um baita negrão em cima e agüentando uma vara dura toda metida no seu carretel, desesperado, chorando para que aquilo terminasse logo, disse:

- Ama não. Se tu me amasse, não fazia isso com eu.

Depois que saiu da cadeia o bêbado, com tanta vergonha, desapareceu da cidade, onde tinha sua vida já estabelecida, e voltou somente muitos anos depois, quando supôs que todos já tivesse esquecido o ocorrido e a vergonha passado.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

MARÇO/2008