O Frade de Mesquita e a missão de Agamenon.

Cinco e meia da manhã, um horário um tanto quanto estranho para o encontro que se desenrolaria naquele dia nos minutos que se seguiram.

Quando o primeiro carro, um Ford Fusion preto, parou no cruzamento entre duas ruas praticamente abandonadas; o homem que comandaria o encontro já aguardava por aqueles que trariam a mercadoria que tanto o seduzia.

Em seguida outro carro semelhante ao primeiro parou e de dentro do veículo desceram três pessoas saindo pelas portas traseiras, a primeira trazia uma mala prateada e grande algemada à mão envolta em luvas de couro; a segunda fechava o paletó para esconder que carregava consigo uma arma e a terceira falava com alguém através de um telefone celular por meio de um microfone e um fone cuidadosamente colocado em uma de suas orelhas. Os três homens encaravam de forma ameaçadora àquele que os havia contratado para este importante serviço do qual prestaria contas naquela manhã; dentro do segundo carro estavam mais duas pessoas; o motorista particular e um guarda-costas.

Finalmente de dentro do carro que parou primeiro desceram mais duas pessoas, uma delas muito bem vestida num terno azul escuro que mais parecia preto, com risca de giz; o outro era mais um guarda-costas, estava visivelmente estressado e mantinha sua mão por dentro de seu paletó no que também deveria ser uma arma de fogo; ambos retiraram seus óculos escuros quando saíram do carro.

As sombras da noite já não pareciam assim tão ameaçadoras e aquela pessoa parada junto a um poste pagaria muito bem pelo serviço que desempenharam.

_ Onde você esteve durante esses últimos dias, tentei encontrá-lo._ disse aquele com terno risca de giz.

O sujeito parado junto ao poste mais parecia uma espécie de frade ou algo do tipo, pois trajava vestes muito parecidas e mantinha suas mãos dentro das grandes mangas da sua túnica. Este respondeu secamente:

_ Eu estava viajando com meus alunos. _ fez uma pausa antes de continuar e olhou para o céu que começava a tomar um tom de azul matutino, mas o sol ainda não se erguera no horizonte._ Foi difícil achar esse lugar?

Os três que saíram do segundo carro tomaram posições estratégicas se espalhando pela rua; os carros permaneciam com os motores ligados para uma rápida retirada depois da troca.

_ Mais que fim de mundo é esse que você resolveu escolher para fazermos a troca?

O frade respondeu:

_ Gosto de andar ao redor da terra. _ sorriu levemente.

A ordem já tinha sido dada, assim que fizessem a troca os capangas dariam cabo do frade e ficariam com o dinheiro e com o artefato.

_ Você trouxe o dinheiro?_ Perguntou o líder dos guarda-costas.

O outro caminhou até uma lata de lixo de onde tirou duas grandes sacolas de tecido aveludado e lançou na direção dos capangas; embora sua voz fosse mansa, seus olhos captavam o mal a “quilômetros” de distância e ele sabia das intenções de seus contratados.

Um dos homens de terno abriu as sacolas averiguando que dentro delas estavam muitas notas de cem reais organizadas em montantes de cem presos por elásticos. O rapas deu o sinal de “ok” para seu chefe.

O frade finalmente respondeu:

_ Um milhão de reais como prometido irmão, Agamenon, agora é sua vez de mostrar o artefato.

Agamenon era o pseudônimo do líder de um pequeno, porém bem sucedido grupo de caçadores de relíquias e obras de arte que age no Rio de janeiro, comprando e vendendo para quem pagar a maior soma, todo tipo de coisas, não importando se precisam usar de meios escusos para conseguí-las.

Agamenon pediu que o homem com a mala algemada na mão entregasse a mercadoria para o frade e assim foi feito, após retirar as algemas da mala o guarda-costas a entregou.

_Deu muito trabalho conseguir isso para você._ Falou Agamenon sorrindo um pouco_ Foi sem sombra de dúvidas o trabalho mais difícil que a minha equipe já enfrentou, mas agradeço as passagens de primeira classe para Portugal e o hotel cinco estrelas.

_Por isso escolhi vocês, sabia que não me desapontariam.

Um outro personagem saiu do carro, jovem, não mais de trinta anos e um detalhe chamou a atenção do frade, o jovem estava pálido como uma coluna de mármore.

_ Eu soube o que aconteceu a seu filho.

Agamenon olhou momentaneamente para o jovem na porta do carro e retrucou:

_ Não lhe escapa nada não é Iogael, por isso dizem ser você um fantasma, ou um mito, sei lá.

Iogael era o nome que o frade usava há muito tempo e já até havia se esquecido do seu verdadeiro.

_Com o tempo aprendi a observar; agora vivo aqui, Mesquita, Rio de Janeiro, entretanto ainda estou em ação, viajo muito com meus alunos.

Fez outra pausa e continuou em seguida:

_ Os ventos da tormenta se aproximam velho amigo.

Os primeiros raios de sol rasgaram o céu e o jovem filho de Agamenon correu para dentro do carro novamente onde estaria protegido da luz; em seguida um dos capangas levou até um dos carros as sacolas com dinheiro e as colocou na mala do veículo. Agamenon fez um sutil sinal com a cabeça, era somente isso que seus comparsas aguardavam, aquele que mantinha a mão dentro do paletó sacou de sua arma e apontou na direção do frade indefeso.

Agamenon deu uma boa risada.

_ Sabe Gael, este artefato vale bem menos do que você nos pagou, porém sua cabeça vale muito mais do que este valor e então conversando com os rapazes resolvemos pegar o dinheiro com você, depois eliminamos você a mando de outro cliente e com isso ganhamos mais fama e uma bolada que vai dar para se aposentar de uma vez por todas; por fim vendemos outra vez seu artefato para outro comprador, em Portugal já encontramos um.

Um dos capangas ascendeu um cigarro e soltou uma baforada ao sabor do vento da manhã.

Iogael não parecia muito surpreso.

_ Sabe, não é a primeira vez que me fazem este tipo de coisa, mas eu conheço os homens a mais tempo do que você pode imaginar, sei como vocês se comportam e vou lhe ser sincero adoro quando a ganância toma conta dos seus corações. Como você mesmo disse, sou um fantasma, não se mata um fantasma.

Agamenon sacou de sua arma também.

_ Deixe que eu faça o teste e tire minhas próprias conclusões.

Um zunido quase inaudível de metal cortando o ar brotou trazido pela brisa e antes que qualquer um deles pudessem apertar o gatilho já estavam desarmados; tudo aconteceu muito rápido, pequenas lâminas atravessaram o ar e inutilizaram de forma precisa a mão de cada um dos que portavam arma, em seguida como que por bruxaria o cigarro de um dos capangas explodiu tornando-se uma bola de fogo e ferindo-o.

_ Peguem ele! Agora! Rápido! _ gritava Agamenon.

Mas quando este olhou ao redor todos os seus capangas estavam estirados no chão. Não era possível algo como aquilo, sobre cada um dos carros estava uma pessoa, envoltas em roupas que não permitia que nada além dos olhos fosse visto, cada um deles segurava o que parecia ser uma pequena espada.

Iogael satisfeito ponderou:

_Pensei que vocês fossem oferecer mais resistência, a propósito, estes são meus alunos, meus dragões, meu maior orgulho.

_Maldição!_ vociferou Agamenon.

Quando este tentou correr para seu carro, sentiu a ponta da lâmina de uma terceira pessoa tal como os dois alunos de Iogael, e como uma navalha quente que foi colocada delicadamente em seu pescoço. Havia sido dominado.

Os “dragões” se moviam como o vento e não produziam som algum em suas investidas, exeto pelo fino silvo metálico de suas pequenas lâminas japonesas voadoras; cirúrgicos como se não fossem humanos.

O guarda-costas que estava dentro do carro também pensou em sacar de sua arma, mas a espada atravessou o teto do veículo rasgando-o de fora a fora, logo ele desistiu de reagir, pois percebeu que era inútil.

_ Por isso dizem que você é um fantasma, seus alunos são aberrações.

O frade andou mais uma vez para o centro das ruas e calmamente explicou o que estava ocorrendo:

_ Esta é uma nova geração de alunos, pois a primeira se desvirtuou, eram fracos e possuíam muita humanidade; esses, por outro lado, são como sempre deveriam ter sido. Ferozes, implacáveis e obedientes.

Agamenon não sabia o que dizer e olhava para seu filho dentro do carro visivelmente incomodado pela luz do sol, mesmo por trás dos vidros obscurecidos.

_ Tudo isso não passou de um teste_ reiniciou o frade_ Eu contratei vocês aqui, depois fui a Portugal e lá, na pele de outra pessoa recontratei vocês para me matarem aqui, afim de provar seus homens e você contra meus dragões.

_ Mas por que tudo isso?

A lâmina quente da espada do aluno que dominou Agamenon foi parcialmente retirada do pescoço dele, mas este não o soltou.

_ É simples_ rebateu Iogael_ Você tem outra missão; quero que reúna o máximo de membros da irmandade que conseguir e saia em busca dos meus alunos antigos, dois deles não podem mais ser encontrados pelos meios místicos, um eu sei aonde está, e o último e mais perigoso vai ser encontrado por sua gente para que meus novos alunos resolvam uma velha pendência que possuímos.

_ Como encontro este último aluno?

_ Ah vai ser bem fácil, siga a estrada de migalhas de bondade e feitos heróicos, a imprensa o chama de Paladino.

O brilho do sol ofuscou momentaneamente Agamenon e este sentiu o corpo cair, não estava mais sendo segurado pelo aluno de Iogael; o tempo de piscar os olhos e não havia mais ninguém ali, nem frade nem dragões. De repente um barulho poderoso como o roncar de motores se ergueu em plena manhã e saindo de uma das ruas que compunham o cruzamento as três motos carregando os tais dragões tão rápido que não houve tempo de reação, eles seguiram pela rua até que não puderam mais ser acompanhados pela visão de Agamenon.

Este disse em voz baixa:

_Dizem que é um fantasma, mas sei quem você é, eu já vi anjos e outras coisas semelhantes. Terá seu Paladino.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 11/03/2008
Reeditado em 20/06/2008
Código do texto: T897205
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.