O Escolhido
- Vim apenas comprar uma camisa! – foi o que disse à sorridente vendedora. Havia passado inúmeras vezes por aquele corredor, naquele shopping da periferia e, nunca, em todo esse tempo, notara a existência da pequena loja. Os tons eram claros. As paredes pintadas com listras verticais entre o branco e o laranja pastel com graduações atraentes de tonalidade. A iluminação trazia uma agradável atmosfera. Devo dizer que senti felicidade. Uma suave música ao fundo, que não consegui identificar, pareciam harpas, dava-me uma sensação incrível de paz de espírito. Poucos funcionários sorridentes atendiam os clientes.
- Pode escolher à vontade, disse a jovem.
Fui a um cabide colocado no centro. Uma camisa azul, com listras verticais em azul marinho me atraiu de imediato. Tirei-a do cabide.
- Uma boa escolha, disse a moça. Nossos clientes geralmente escolhem o que precisam. Indicou-me, em seguida, uma cabine para experimentar a roupa. Estranhei por que não via a numeração e somente se lia a etiqueta da loja: Celestial Way!
- Como saberei se é o meu número?
- Basta que experimente, respondeu-me sorrindo.
A cabine parecia muito ampla por dentro e havia um jogo com três espelhos. Teria sido minha impressão ou a camisa, que parecia ter uma numeração muito maior, adequou-se proporcionalmente ao meu corpo? Senti-me bem e quis sair de lá vestindo-a. A vendedora, pensei, diante de minha resolução, certamente irá oferecer uma fileira enorme de outros produtos. Para minha surpresa ela se encontrava ao lado do caixa, pronta para receber o pagamento. Passei o cartão e nenhuma pergunta ou nova oferta me foi feita. Agradeci a discrição e ao atendimento oportuno e diferenciado.
Tendo guardado a antiga camisa em uma sacola, comecei a passear pelo espaço sentindo-me leve e em pleno domínio de minhas faculdades mentais. Logo cruzei um rapaz vestindo uma jaqueta preta, camiseta e jeans. Rocei-lhe de leve o ombro e um frio percorreu-me a espinha. Vi-o atentando contra a própria vida ao se jogar de uma ponte, a namorada o abandonara, sua vida perdera a esperança. Corri em sua direção seguindo um impulso.
- Meu amigo, não faça isso! Disse-lhe de supetão.
Ele, espantado, arregalou os olhos e se afastou dois passos. Insisti e afirmei.
- Lúcia se encontra confusa, espere e tudo se resolve. – fiquei surpreso com a minha resposta e com a pronúncia do nome da namorada que, instintivamente, veio à minha cabeça. Afastou-se assombrado. Senti uma onda vindo do mesmo e, notei que suas intenções se inverteriam. Fiquei aliviado.
Procurei um banco para sentar e refletir sobre o ocorrido. O que estaria acontecendo? Nunca tive habilidades similares. Lembrei-me da loja e da camisa. Corri para a mesma. Estranhamente se encontrava fechada, embora fosse horário comercial, luzes apagadas. Sentei eu um banco diante e li aquelas palavras: Celestial Way!
Sem querer, uma criança, passando por mim com a mãe, roçou me com seu vestido a barra da calça. Um pensamento mostrou-a morrendo sufocada. De impulso chamei a atenção da mãe com um grito:
- Não deixe que ela coma amendoim. Tem forte alergia!
A mulher puxou a menina com energia e afastou-se rapidamente. Julgou-me um louco. Imediatamente uma nova imagem surgiu-me. Ela tinha a intenção de comprar um saco de amendoins com chocolate para ambas. O surto alérgico poderia levar a garota à morte. Senti que sua intenção modificou-se e que submeteria a filha a uma avaliação médica. Fiquei aliviado.
Dezenas de fatos como esses começaram a suceder-se enquanto usava a camisa. Semanas depois pensei em usar a mesma com vantagem pessoal e ganhar dinheiro. Vesti-a e me coloquei diante do espelho. Estendi a minha mão e me vi em um tenebroso inferno, sofrendo horrores eternos. Modifiquei meu pensamento e decidi ajudar sem espera nada em troca. Toquei no espelho e percebi um caminho pleno e feliz, com as dificuldades normais da vida, mas notei em volta de mim muito brilho e paz. Voltei várias vezes à loja, mas ela sempre se encontrava fechada. Às vezes me retorna o desejo de explorar comercialmente aquele dom, felizmente, a imagem do inferno me assusta. Mesmo os escolhidos têm seus momentos de fraqueza...