Meu Tio e o Burro Empacador
Chegava a Semana Santa e o meu tio aparecia na cidade. Não sei se era por causa da solenidade religiosa, quando todos oravam e faziam penitências ou era porque gostava de participar da derrubada do Judas.
A derrubada consistia em atirar na corda que prendia um boneco de pano, cheia de palha de bananeira e capim, que na manhã de Sábado da Aleluia, aparecia pendurado num mastro atrás da igreja. Após a missa, todos iam assistir. Quase sempre, era meu tio que, com um só tiro cortava a corda e o punha no chão, para a alegria da criançada que corria para estraçalhá-lo.
Na segunda feira, meu tio voltava para a sua fazenda e por lá ficava sem aparecer por muito tempo. A não ser que alguma novidade o trouxesse de volta.
Poucos dias depois da Semana Santa, daquele ano, ele voltou à cidade, botando a maior banca, montado num burro que comprara recentemente. Contava mil maravilhas do animal. Parecia uma criança diante de um brinquedo novo. Passeou pela cidade, mostrou-o para os amigos, elogiando-o a toda hora, como se fosse para vendê-lo. E olha, que ele já tivera muitos animais. Mas, um burrão como aquele, de sete palmos de altura, dizia, era o primeiro. Bom de trote, marchador e bonito no porte. Comprei caro, dizia, mas compensou, porque de montaria foi o melhor burro que já tive até hoje. Esse burro, falava batendo no lombo do animal, não vendo por dinheiro nenhum.
Não era preciso fazer muita força, para ver quanta satisfação brilhava nos seus olhos, ao falar do bicho. As pessoas se concentravam em volta do burro, examinavam-no detalhadamente, e no final, concordavam com ele, deixando-o orgulhoso.
Dois dias depois, quando voltava para casa, aconteceu que ao atravessar um córrego que ficava na metade do caminho entre a cidade e sua fazenda, o burro empacou. Recusou-se terminantemente a entrar na água. Meu tio, ante aquela desobediência animal, deu-lhe umas boas chicotadas. Mas o bicho não saia do lugar. Ele o esporeou e bateu; o burro não se moveu. Desceu, tentou puxá-lo pelo cabresto, nada. Tinha o queixo duro como uma rocha e parecia colado no chão. Usou todas as técnicas que sabia fazer para desempacar um animal: quebrou o rabo do bicho, mordeu a orelha dele. Nada disso deu resultado. Nada fazia o animal andar.
A essa altura já passava das seis horas da tarde, estava anoitecendo, e ele não conseguia fazer o burro atravessar o córrego. Sua casa ficava longe, seguir a pé seria perigoso, poderia ser atacado por uma onça faminta. Passar a noite ali nem pensar. O quê fazer? Decidido a não se deixar dominar pelo pânico resolveu insistir na tarefa de fazer o burro atravessar o córrego. Montou novamente, esporeou, bateu, gritou e na-da. O burro teimava em não atravessar o riacho.
Alarmado e também dominado por um extremo nervosismo, perdeu a paciência, sacou do seu revólver trinta e oito, velho de guerra e dizendo, vou lhe ensinar a respeitar um homem de bem, seu burro safado, deu-lhe um tiro na orelha direita, cortando-a ao meio. Assustado, o burro deu um pulo, escoiceou o vento e depois de várias tentativas para jogá-lo ao chão, atravessou o córrego como um foguete, desembestando-se de vez, numa carreira maluca pela estrada só parando na porta da sua casa, na fazenda. Ao ouvir um estranho barulho na porta, minha tia apareceu, e querendo saber o que havia acontecido, perguntou curiosa. Ele disse que não era nada.
Na manhã seguinte, arrependido e lamentando o incidente, foi curar o ferimento do burrão, pensando numa maneira de vendê-lo com aquele estrago na orelha.