Marina: entre cães e gatos à noite.OK
Marina : Entre Cães e gatos na noite
Um vento minuano frio batendo na janela e o cansaço de mais um dia trabalhado eram a rotina desta noite, em um inverno gaúcho. Após o banho, jantamos uma sopa bem quente, que ao nosso gosto estava uma delícia. Alguns cálices de vinho branco, é claro, não poderiam faltar. Estavam conosco meus filhos Roberto, Cássia e minha esposa Marina e claro eu, o patriarca também cozinheiro. Após a refeição fomos assistir tv. Como era quarta-feira, tinha transmissão de jogos, era Grêmio e Náutico pela segunda divisão do Campeonato Brasileiro de futebol , um péssimo programa, diga-se de passagem, para um colorado. Minha esposa, embora gremista, não se mostrava nem um pouco interessada em ver. Colocamos um DVD para assistirmos. Nossos filhos já estavam em seus quartos, pois teriam aula cedo no dia seguinte. Antes mesmo de terminarmos o filme, já estávamos sonolentos e muito cansados, recolhemos os cobertores da sala e fomos dormir.
Nossos cães, Chorão e Efe, são os responsáveis por manter em várias situações a alegria, o companheirismo e a segurança do pátio de casa, ou seja, dois excelentes cães de guarda. Ambos, vira-latas genuínos, extraídos diretamente de uma outra de igual linhagem. Sim, extraídos, pois foram pegos ainda filhotes de mãe desconhecida. Chorão é o macho, que pelo nome já diz o que ele mais sabe fazer. Chora por carinho, chora quando tem dor, chora, principalmente, quando escuta barulho de prato rangendo. A Efe, seria na realidade só Feia, foi assim chamada para não se traumatizar, tamanha é sua ausência de beleza.
Ah, eram mais ou menos umas três horas e trinta e dois minutos! Notaram o preciosismo dos dois minutos. Segundo Marina, é uma paranoia de infância pelos detalhes, quando escutei uns barulhos de correria no pátio. Logo, em seguida, uma briga de cães e mais uma correria pelo pátio. Chorão participava da briga, chorando é óbvio. Levantei meio dormindo, meio acordado do primeiro sono e fui ver o que estava ocorrendo. Deparei-me, ao abrir a porta com o frio, muito frio e a Efe correndo e sacudindo alguma coisa na boca. O chorão também estava correndo e chorando atrás dela num maior dos esparros sem que pudesse identificar o que a Efe estava carregando.
Voltei para o quarto e coloquei um chinelo e um roupão, pois ainda estava descalço e de pijama. Retornando ao pátio, notei que se tratava de um gato e o vento frio. A esta altura do campeonato, que não era o da segunda divisão. Achei que o coitado já estava morto, pois permanecia na boca da Efe. Em um determinado momento, ela solta o gato e no chão e ele miou. Está vivo ainda, Claro que, com toda esta bagunça, todos já estavam acordados em casa e na vizinhança inteira.
Pensei em tentar chegar perto do gato para salvá-lo, porém, foi infrutífera minha tentativa. Imediatamente, ela torna a pegar e sacudindo-o, sai novamente a correr em volta da casa sem nos deixar aproximar. A seguir, era eu, bah. Não me apresentei sou Erlon, minha esposa e filhos correndo com o Chorão atrás da Efe. Lá pelas tantas peguei a mangueira e comecei a jogar água fria sobre a cadela bem tratada e nutrida. Nada a ver com aquela do Graciliano Ramos em Vidas Secas, para ver se largava o gato preto. Sem sucesso a tentativa. A única coisa que consegui foi nos molhar, pois a mangueira estava velha e furada. Que dramalhão.
Marina, com um pijama novinho de cor rosa com detalhes em topes com ursinhos impressos na frete e uma chinelinha de pelúcia e de mesma cor, tentava ajudar. Colocou-se na frente da cadela tentando encurralá-la. Entretanto, com uma precisão de um drible que faria invejar a Garrincha, a Efe se livrou facilmente, porém sem antes deixar Marina estatelada no chão molhado. Roberto antes, já havia dado a ideia de prendermos o Chorão, ficando encarregado então de prendê-lo. Cássia com seu instinto protetor, não parava de dizer, “coitadinhos”, pois se preocupava tanto com a Efe como com o gato que ainda estava em sua boca. Os vizinhos acendiam as luzes de suas casas, claro para verem o que se passava, pois em suas mentes, eu estaria alcoolizado e dando uma surra na família. Não sendo aquilo que desejariam estar vendo, retornavam a apagar suas luzes e recolhiam-se indignados.
Transcorriam-se já uns quinze minutos, embora se pareça horas, o gato é deixado ao chão. Em um vacilo da cadela consigo pegá-la Peço que Marina pegue uma pá para juntar o gato que a esta altura estaria todo esmigalhado, com suas tripas expostas e banhadas de sangue. Ao juntá-lo ela começou a sentir dor nos pulsos que estavam machucados do tombo que anteriormente havia levado. Então, disse-lhe que deixasse o gato e a pá e viesse pegar a cadela. Roberto, pensando que já havíamos retirado o gato, solta o cachorro, que numa corrida desvairada dá um esbarrão na Marina jogando-a novamente ao chão. Foi cômico. Mas, depois foi horrível ter os dois cachorros pulando em mim, enquanto tentava erguer a pá, sem deixar cair o maldito! Digo, coitado gato preto. O que fazer com o felino a esta altura da noite e dos acontecimentos? Não tive alternativa, senão jogá-lo pelo muro da frente do pátio que fica acima da garagem uns seis metros.
Fomos todos tomar banho, para retirar a sujeira e aquecermos do frio. Dormir já foi um parto, pois a adrenalina estava em alta. Adormecemos. Dia seguinte, o relógio desperta, nossos olhos pesados e cansados de sono, são as primeiras marcas do dia que estava começando. Saio para juntar o gato, pois ainda não o havia feito, e percebo que não se encontrava mais ali. Achei que a gurizada na noite teria o levado para fazer alguma brincadeira de mau gosto. Meus filhos tiveram que enfrentar suas aulas tentando não dormir. Minha mulher, coitada, toda arrebentada, tinha que explicar e repetir mil vezes para os colegas do mestrado a tal da história do gato. Os colegas riam, muito. E eu, era perguntado da farra que haveria feito com a Marina para estar com aquela cara.
Após sair do trabalho e pegar as crianças na escola e Marina na PUC fomos para casa. Chegando, notei ao longe um gato, também preto, sentado com um vizinho em seu muro. Achei estranho. Mas, não deveria se tratar do mesmo. Quando de repente o vizinho pega o gato e coloca-o no chão. O bichano sai caminhando todo desconjuntado. Descubro, então se tratar do mesmo. Não sabia se me sentia feliz ou atravessava a rua e terminava o serviço.
Escrito em parceria...
janeiro/2008