Minha querida Brastemp - giselle sato

A máquina de lavar parou de bater as roupas. Pensei que estivesse cheia demais, mas, para meu desespero, não foi o excesso de lençóis.

Mandei vir o técnico. A Brastemp tinha sido presente de casamento. Mais
de vinte anos lavando de fraldas aos jalecos do meu filho mais novo
que é médico. O homem olhou o motor, desmontou e tirou algumas peças, examinou e foi taxativo:
_Não vale a pena consertar, tem peças
que não são mais fabricadas, uma nova sai mais em conta.

_O senhor tem certeza? É que eu tenho o maior carinho por ela.

_Sinto muito senhora, esta máquina já deu o que tinha que dar além do
mais ela gasta muita eletricidade.

Não queria saber se ela gastava mais ou não, convivi a vida inteira com ela, queria que ela continuasse comigo, era de estimação, fazia parte da família, não queria mandar a coitadinha embora. Fiquei triste e liguei pro meu marido:
_Antônio a máquina de lavar queimou e não tem conserto. Estou muito chateada.

_Fica assim não meu bem, passa lá na casa Bahia e compra uma nova. Tem
até com água quente, que dizem que é uma beleza.

_Antônio eu gosto da minha máquina, foi presente dos seus pais quando
nos casamos. Você esqueceu?

_Minha filha, não esqueci nem posso esquecer se minha mãe até hoje fala
que pagou os tubos porque você queria a última novidade e comprou a
mais cara.

_Não era a mais cara, era a melhor. Tua mãe é muito pão-dura. Vocês
dizem que é caduca, mas ela não esquece preço de nenhum presente.

_A repartição está cheia e não posso ficar discutindo. Compra outra e
pronto. Mania de guardar velharia!

Desliguei furiosa .Sempre insensível e ocupado. Um sem coração, isso sim! Minha máquina no cantinho da lavanderia condenada ao lixão. Liguei
para outras firmas, expliquei o defeito e o ano de fabricação ouvi a
mesma ladainha sobre os benefícios de uma nova compra e acabei vencida pelo cansaço.

Sem alternativa fui escolher uma nova máquina. Percorri a loja, toquei cada tampa branquinha, botões digital e manual, muito moderna, mais rápida, maior economia de energia e sabão em pó. Tão superior à minha velha Brastemp, pobre inútil sem lugar no mundo atual.

O vendedor exibiu o manual, explicou, e não entendi nada... Pensei no
quanto seria triste se meu marido resolvesse me substituir. Não queria
ser obsoleta.

Na semana seguinte a máquina novinha trabalhava as roupas, silenciosa
e eficaz. Esperando terminar o ciclo de lavagem, apoiada é claro, na
minha velha Brastemp, beberico um café quentinho na maior
tranqüilidade. Meu marido passa e dá risadinhas. Finjo não perceber.

Se está ocupando espaço? Não sei. Gosto de olhar para elas lado a lado.
Já avisei que quando eu morrer pode jogar no lixo, mas enquanto eu
viver, ela fica. Ponto final.





(revisado por Sonia Claro)
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 24/02/2008
Reeditado em 28/10/2008
Código do texto: T873347
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