Bolas de gude
Pareciam bolas de gude esverdeadas e trasparentes. Você poderia achar que pareciam olhos de gato, mas é que tive uma infância pobre e ficava maravilhado com as bolas de gude dos meus amigos.
Lembro quando ganhei a primeira: pedi uma emprestada para o Jorge e ele me emprestou uma que era oval. Não podia me dar ao luxo de perder aquela bola no jogo, então me concentrei e joguei. Mirei bem naquela que eu queria e acertei. A bola lançada sem muita força parecia embriagada e rolava em zigue zague; num golpe de sorte, quando parecia que ela ia para o outro lado, acertou em cheio a bola que eu queria.
E era como aqueles olhos...
Engraçado que o rosto não combinava. Acho que isso chamou minha atenção. O rosto um pouco comprido parecia de boneca e era branco, mas não daquela brancura fresca e macia; era artificial.
A moça parecia excitada com um causo que contava para a amiga. Olhava de cima para baixo e isso parecia aumentar a sua excitação e a amiga olhava de baixo para cima com cara de alegre por ter a atenção da amiga.
A única alteração no seu rosto era um enrugar de testa de onde surgiam três linhas. Nenhum sorriso, nenhum arregalar de olhos, nenhum torcer de boca, apenas um tolo enrugar de testa de vez em quando. Nada combinava com aquelas bolas de gude, nem a atitude da amiga, como uma cachorrinha que abana o rabo para a dona.
As estações do metrô passavam e já era quase hora de descer. Meu olhar fascinado grudou-se naquelas bolas de gude e eu me perguntava o que havia de errado? Com aqueles olhos era para ser uma criatura linda que faz caras e bocas... mas parecia que não queria quebrar a máscara!
Quase chagando a estação em que eu desceria, ela olha para mim, vermelha:
— Que foi? — gritou.
— Nada não! — respondi, assustado.
— Então para de olhar! — até cuspiu sem querer.
— Eu só tava olhando os seus olhos de...
— De quê? — ficou mais irritada.
— Nada... — baixei os olhos.
— Como nada? Vai fala? — rosnou ela.
— Não, nada! Já não importa mais... — murmurei.
A porta abriu e eu saí.