as mulheres

Sobre a mesa da cozinha, um envelope amarelado e com certa arrogância, talvez por que estivesse no centro da mesa. Dentro dele um papel já velho, com palavras de doação:

“O que tenho para acolher o corpo e a vida, a casa, deixo para Cristina, meu grande amor.”

E logo abaixo:

“A terra toda que tenho em mim, para Ana, meu grande amor.”

As duas mulheres que não se viam há anos, se olhavam agora não mais com competição, apenas com dor, do que nunca viveram ou da vida que tiveram enfim. Sentaram-se extasiadas e puseram-se a olhar o sol do meio dia que entrava com força na cozinha, deixada de lado.

_ Quando se tem sessenta o sol dói mais. Disse a primeira mulher do papel.

_ Para mim, dói desde os vinte. Prefiro mesmo a lua. Foi a segunda.

- Antonio não queria nenhuma das duas, nem pelo sol nem pela lua. Tinha mesmo era dever.

_ Dever? Antonio era medroso. Como nós.

O sol estava começando a avermelhar as pernas das mulheres de vestidos, mas elas não se mexiam dali. Cansaço, vida, pernas, Antônio.

- Por que você nunca se casou? Disse a segunda estendendo as pernas para o alto e encostando as mãos nelas.

- Não quis. Disse a mulher se abaixando para tentar cobrir-se um pouco.

_ Nem eu. Foi descendo lentamente as pernas.

_ Para que casar? Levantando-se de volta a postura ereta na cadeira.

- Para amar, isso eu sei, acho que se ama mais vendo todo dia. Se não vai ficando tudo nublado, o amor. Agora olhava as pontas dos dedos.

- Convivência é que acaba com o amor. Sonhar é bem melhor. Pos as mãos lá embaixo e forçou a vista.

- Que homem covarde! Disse com raiva a segunda.

_ Indeciso ele era. Como nós. Insistiu.

A primeira mulher se levantou e procurou uma chaleira dentro dos armários. Queria mostrar confiança e intimidade com as coisas de Antônio. Depois desistiu.

_ Esse homem não tomava café? Disse a primeira desiludida.

_ sei não? Podemos comprar uma chaleira para nós. Disse com um pingo de entusiasmo, a segunda.

E decidiram fechar um pouco as cortinas de um sol castigante, certas de que as abririam de novo quando estivesse um pouco mais calmo.

_ Pelo visto, precisamos do pó de café e do coador.

_ e podemos pintar as paredes, estão velhas. Animando-se ainda mais.

_ E fazer uma horta...

Olharam-se com esperança nos olhos,mas não se gostavam.

E andaram juntas pela casa apontando essa e aquela mudança e concordaram apenas em deixar no porta-retrato, a foto meio apagada de Antônio: o amante que não foi.