O BOTECO

Pedro Beato era um excêntrico milionário que tinha obsessiva predileção por lugares inóspitos. Andava a procura de ambientes decadentes, adorava criaturas inúteis e desleixadas povoando cenários desconfortáveis. Para ele, o lodo era um diamante que não degradava, manifestava a presença de algo deslumbrante. Trafegava pela periferia, quando num dado momento avistou algo que o deixou petrificado.

- Pare aqui – ordenou Pedro Beato ao motorista do Mercedes.

Olhou demoradamente para o lugar. Não era exatamente um bar, tampouco um empório ou espelunca. Na verdade tratava-se de uma pocilga fétida, um refúgio para os derrotados. Na entrada, um idoso desdentado tocava alguns cães, para dentro do bar. Uma tabuleta enferrujada com os dizeres: “Bar Baridade”, e um subtítulo: “Ambiente Familiar”.

Pedro Beato olhou para a espelunca, desceu do Mercedes e entrou. A fumaça provocada pela nicotina tingia o ambiente. Uma dúzia de mesas imundas decorava o salão, à esquerda o balcão, e ao fundo encontrava-se o palco. O vozerio era estridente. Boêmios embriagados dançavam com mulheres horríveis com suas maquiagens pesadas, vestidas com indecorosos trapos. No palco, um cantor afeminado rebolava, cantando uma música incompreensível.

- Uma cachaça – pediu Pedro Beato ao atendente.

O álcool desceu rasgando a goela. Pedro Beato tossiu, a saliva gosmenta escorreu por entre seus asquerosos dedos.

- Mais uma cachaça, agora com limão! – tornou a pedir Pedro Beato.

Não experimentou com atenção e deleite o sabor do líquido, engoliu num súbito e sentiu-se tonificado. Olhou para o final do imundo balcão e enxergou um pote com salsicha mergulhada no molho e pela coloração parecia que estava passada. O vestígio de lodo causou uma estranha euforia em Pedro Beato. Sentiu-se arrebatado de felicidade por ter encontrado aquela relíquia, deveria estar ali há dias.

- Uma salsicha, faz favor...Daquele pote.

- Não recomendo, está ai há seis meses.

- Seis meses? Fico com todo o pote.

Por um segundo, Pedro Beato pensou estar em transe, durante toda a vida estivera à procura daquele abençoado ambiente; impregnado de beleza surreal.

Enquanto mastigava, apreciava o indelével sabor do alimento. Ainda pesaroso, se realmente era merecedor de tal achado. Acendeu um cigarro e correu o olho pelo ambiente degradante. Aquilo o fascinava, era como se estivesse num palácio. Gostava de lugares depreciativos e conturbados. Estirou uma nota para o garçom e disse em seu ouvido:

- Pede pra cantar uma do Louis Armstrong!

- Louis o quê! – perguntou o garçom sem entender o propósito.

- Um jazz.

- O cantor está embriagado, e não canta em francês. Não serve uma do Waldick Soriano?

- Serve.

- Qual música?

- Aquela do cachorro.

O cantor sentindo-se prestigiado com um pedido musical temperou a goela e cantou:

- Eu não sou cachorro não...

A platéia em coro, respondeu:

- É sim, é sim, é sim...!

Pedro Beato apiedou-se do cantor, sentiu que a melodia lembrava um pouco Tchaikovsky. Não, apurou os tímpanos e decidiu que o ritmo era semelhante a Chopin.

Olhou para uma mesa situado no fundo, mal iluminada. Reparou que estavam jogando. Sentiu os olhos brilharem, estava a procura de jogo, era um viciado. Chegou mais perto, estavam jogando damas. Pedro Beato era imbatível no joguinho de damas. Andou em direção a mesa. Enquanto espiava o jogo, uma mulher o agarrou por trás e beijou sua nuca. Pedro Beato virou-se, era uma bela jovem. Ela sorriu, ele imitou o gesto. Faltavam quatro dentes em sua boca. A reação de Pedro Beato foi inesperada, ele beijou a moça, sorveu o odor fétido exalado. Aquilo o deixou em êxtase, repetiu o beijo, já estava apaixonado pela parceira. Nunca imaginou encontrar um ambiente mágico como aquele, estava no paraíso ao lado da própria Eva.

- Está a fim de jogo? – perguntou um freqüentador.

- Aceito. Quanto é a partida.

- Dez dólares.

- Dólares? Porque não apostar em real?

- Em real, podemos incorrer em contravenção.

- Entendi. Podemos começar?

Pedro Beato jogou tudo o que sabia. Estava perdendo muito, mal conseguia fazer o básico.

- Uma garrafa de cachaça – pediu Pedro Beato ao garçom.

Era a quarta garrafa que ingeria. Acendeu mais um cigarro e recomeçou a trigésima partida. A namorada estava a seu lado, incentivando-o com carícias e beijos.

- Vamos pro quarto, amor? – perguntou a moça.

- Me espera lá, daquele jeito, que já vou.

Pedro Beato havia perdido oitocentos dólares. Seu capital estava resumido em duzentos dólares.

- Vamos apostar duzentos, nesta partida! – falou Pedro Beato.

Jogou e perdeu. Estava sem nenhuma moeda, liso e leso.

- Acho que vou parar.

- Tem um bonito relógio! – disse seu adversário.

Pedro Beato viu o relógio mudar de dono. Agora, estava atrasado. Felicitou-se por ter perdido todo o dinheiro, agora se sentia pobre, experiência enriquecedora, nunca antes experimentada.

Encerrou o jogo e foi até o quarto, ver a namorada ocasional. Não conseguiu namorar. Ela havia vomitado, os nacos de carde apodrecidas ainda estavam impregnados junto ao corpo molhado pela lavagem. Foi retirada, estirada numa maca e conduzida para cuidados médicos. Pedro Beato lamentou a inesperada perda, estava amando aquela mulher.

Era tarde da noite. Pedro Beato precisava ir embora. Não sairia sem antes provar de outra iguaria. Olhou para o final do balcão e viu uma tigela repleta de kibe e alguns pedaços de mandioca. Pensou ele,

Que se a sorte lhe sorrisse mais uma vez, encontraria algum kibe em decomposição com alguns mandruvás em meio à mandioca.

- Um kibe – pediu Pedro Beato, ansioso, indicando o local.

- Não é kibe.

- Não? Então o que é?

- Queijo.

- Queijo? Está com cara de kibe.

- Acontece que as moscas o atacaram.

Pedro Beato agradeceu a Deus pela graça recebida, um presente inesquecível. Enquanto devorava a porção de kibe, negociou e findou comprando o malfadado boteco. A nova fachada em letras góticas anunciava: “BEATOS CLUBE, ONDE O CHIQUE É SER NOJENTO”.

Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 16/12/2005
Reeditado em 17/12/2005
Código do texto: T86768