APOSENTADORIA, PROBLEMA AINDA SEM SOLUÇÃO

O cenário dessa nova história é o tradicional e decadente bairro do Catete, Zona Sul do RIO, que viveu seus longos momentos de glória até pouco antes de 1960, quando a sede do governo federal, deixou para trás o emblemático Palácio do Catete, que hoje se caracteriza como única área verde no totalmente urbanizado bairro.

Depois dessa tragédia, o bairro novamente sofreu por cinco anos com obras do Metrô carioca, que bagunçou de vez a vida de comerciantes e moradores, função da confusão implantada para criação dessa interminável caverna construída sob a principal artéria local.

O processo de esvaziamento foi profundo, e exigiu décadas para retomar a vida, agora sob nova normalidade, com estrutura voltada para um público de menor poder aquisitivo.

O personagem Matias Moreira, um jovem negão com mais de um metro e oitenta e porte atlético, morador da favela Santo Amaro, acabou se tornando um dos primeiros contratados para a obra, afinal não existe grande empreendimento que não conte com a presença ostensiva de seguranças, de preferência, que imponham aquele misto de respeito/medo em possíveis gatunos.

Matias acompanhou de perto toda evolução desordenada da perfuração das galerias e evitou uma série de pequenos furtos, pois esses ladrões de galinha, invariavelmente composta de vizinhos da favela, sempre tentam melhorar suas precárias habitações da maneira mais fácil, aquela fartura de materiais despejados no canteiro de obras se conformava como uma constante tentação.

Com a obra concluída, depois de incontáveis adiamentos, Matias foi um dos muitos funcionários das empreiteiras, que acabaram absorvidos pela Companhia do Metrô, no caso dele então, que já exercia a mesma função de longa data, não houve sequer transição entre empregadores.

Matias trabalhou por décadas na instituição até chegar o mal fadado momento da aposentadoria. Agora sua renda cairia vertiginosamente, perderia cargo de chefia, plano de saúde e até mesmo gratificações que foram incorporadas ao salário ao longo do tempo.

O primeiro mês dessa nova fase da vida passou rápido, apenas em termos financeiros, no dia vinte, ainda faltando dez dias para finalizar o mês, precisou pela primeira vez recorrer a pequena poupança acumulada ao longo dos últimos anos, quando sentiu que se aproximava o momento de viver com a aposentadoria.

Matias vinha tentando junto a comerciantes locais um bico, foram tentativas infrutíferas, aos 75 anos já não impunha mais o respeito de décadas atrás. Mas precisava urgentemente encontrar alguma remuneração, tinha plena consciência que despesas com medicamentos do casal consumia praticamente metade dos vencimentos.

Um vizinho, sabendo da situação porque passava o casal, certa manhã sugeriu uma possível saída, ele mesmo fazia sua complementação salarial trabalhando numa rede de supermercados, que priorizava contratação de idosos para a função de caixa, ou para servirem de apoio a outros idosos precisando de apoio no momento das compras.

Vale aqui lembrar, que o perfil dos atuais moradores do bairro e adjacências se compõe majoritariamente de pessoas que ultrapassaram a barreira dos 60 anos.

Nem titubeou, no mesmo dia se apresentou no supermercado em busca dessa que poderia ser a bóia salvadora, no maremoto que se tornara seu cotidiano, novamente precisava recorrer à poupança tão duramente construída.

A alegria durou pouco, precisaria passar por um treinamento de vinte dias, não remunerado. Posteriormente, se fosse aceito, receberia um salário mínimo, que depois dos descontos, apenas reduziria em parte seu déficit mensal.

A jornada longa, e sem pausa, sempre contava com fila de espera, não importando à hora do dia. Ao final do dia, saia de lá extenuado, e ainda precisava caminhar por pelo menos meia hora, em parte por terreno bem acidentado.

Em conversa com um vizinho, que lhe confidenciou discretamente, que burla a vigilância do supermercado, nunca registrando para moradores da comunidade itens duplicados ou triplicados.

Ao final do dia, estes dividiam com ele o resultado desses pequenos furtos. Afinal, ficaria muito difícil para câmaras captarem esses pequenos detalhes.

E foi assim, que pela primeira vez na vida, quem sempre protegeu bens alheios, iniciaria tardiamente sua carreira de contraventor.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 26/04/2025
Código do texto: T8318561
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