O Velório Que Virou Rave
No Grotão, até a morte tinha seu jeito meio torto de ser. E foi numa sexta-feira nublada, com cheiro de mingau de fubá no ar, que o velho Chicão do Táxi, figura folclórica da vila, resolveu bater as botas depois de uma partida de truco com a alma penada do Barão da Ronda (segundo o próprio Passa Fome).
Chicão era desses que, em vida, já tinha deixado o testamento:
— "Se meu velório for chato, eu levanto e vou embora!"
Pois bem.
Pra Nada e Passa Fome, que tinham uma relação mística com o falecido (ele era o único que emprestava dinheiro e nunca cobrava de volta), decidiram organizar tudo. Mas tudo MESMO. Da cor das flores (todas de plástico) até a trilha sonora (“Só as Brabas do Reggae 2002”).
A capela do bairro nunca viu tanta gambiarra.
Fumaça de incenso, luz negra emprestada da lanchonete do Japonês, caixa de som com bluetooth que funcionava só se ficasse pendurada na janela.
O caixão, claro, estava lá. Chicão, embalsamado, com um Ray-Ban falso e uma camisa do Racionais MC’s, parecia pronto pra uma última resenha.
Tudo ia bem, respeitoso, meio triste... até que Passa Fome derrubou sem querer uma lata de energético na caixa de som e deu um curto. A música parou e, do nada, começou um beat eletrônico que parecia invocar o espírito de um DJ possuído.
"TU TÁ NO VELÓRIO, MAS A TRISTEZA FICA FORA!" — gritou o DJ Marcelo (neto do Chicão), ligando a sirene da moto adaptada com strobo.
O que era choro virou dança.
Tia Ritinha começou um passinho de lado com o terço na mão.
Seu Osmar, de muleta, jogou as muletas fora e dançou o tiktok.
O padre chegou, benzeu a galera e pediu um gin tônica.
Pra Nada, num momento de sensibilidade alterada por chá de boldo e erva misteriosa, fez um discurso emocionado:
— “Chicão nos ensinou que viver é zoar até o fim. Que descanse em beat!”
E a rave seguiu noite adentro.
No fim, o corpo foi levado na caçamba do Fusca de Tofinho, rodeado de luzinhas de Natal e um adesivo: "Carona só com energia boa."
Dizem que, desde então, o cemitério do Grotão ecoa uma batida grave nas madrugadas de lua cheia.
E Chicão?
Bem... tem gente que jura que viu um táxi velho rondando a vila, sem motorista, mas com o som bombando: “Vida loka, parte 3.”