Na casinha pequenina o fogão à lenha esquentava a sopa rala que seria a única refeição do dia.
Meu avó coçava a cabeça e andava pra cima e pra baixo . A horta queimada ,as galinhas magras e secas como a terra.
No sertão de Alagoas, no fim de mundo, a vida castigava...
Meu avó coçava a cabeça e andava pra cima e pra baixo . A horta queimada ,as galinhas magras e secas como a terra.
No sertão de Alagoas, no fim de mundo, a vida castigava...
Minha mãe havia me largado muito pequeno. Foi embora para a capital ganhar a vida e nunca mais voltou. Anos e anos esperei, encostado no velho cajueiro,o milagre do retorno.
Cedo aprendi que se existiam mistérios, meu avô era um deles. Contava com mais de 70 anos e era curandeiro. Fazia xaropes e garrafada para todo tipo de doença. Falava com o Povo da Floresta, pelo menos era o que todos diziam.
Minha avó era uma cabocla miúda, de pele curtida pelo tempo na enxada,maltratada pela vida dura e o sol escaldante do roçado.
Minha avó era uma cabocla miúda, de pele curtida pelo tempo na enxada,maltratada pela vida dura e o sol escaldante do roçado.
Sempre havia gente em nossa casinha. Era uma reza para quebranto em menino pequeno, espinhela caída,ventre virado até picada de bicho peçonhento.
Procuravam o velho Juremeiro buscando alívio para todas as dores. Tanto do corpo, quanto da alma.
Procuravam o velho Juremeiro buscando alívio para todas as dores. Tanto do corpo, quanto da alma.
As pessoas traziam compotas de frutas, queijo , ovos e até uma cabra já haviam dado como forma de agradecimento.
Havia um pé de Jurema antigo e frondoso em frente à casa. Árvore sagrada, onde tudo se aproveita, de banhos aos chás e infusões. Era à sombra da Jurema que ele recebia as pessoas.
Uma boa caminhada adiante, existia um engenho de cana de açúcar cujo dono era um caboclo danado de ruim. Empregava e punha pra fora de acordo com seu humor. O pagamento era o menor possível, explorava o povo sem dó.
Um dia mandou chamar meu avô, o engenho estava parado e ninguém achava o defeito. Só podia ser feitiço. O velho juremeiro ia ter que desfazer.
Meu avô saiu de madrugada, antes do sol raiar para atender o chamado. Embornal nas costas, passinho miúdo,o velhinho matutava a situação.
No alto do morro fiquei impressionado com o tamanho das terras. Quanta beleza e riqueza. Meu avô agachado na entrada da fazenda, fazia suas rezas:
No alto do morro fiquei impressionado com o tamanho das terras. Quanta beleza e riqueza. Meu avô agachado na entrada da fazenda, fazia suas rezas:
-Menino, vem pedir a bênção ao povo da mata. Daqui pra frente, preste atenção e nada de brincadeiras.
Eu respondi as orações que ele havia ensinado e seguimos nosso caminho.
Várias vezes ele parava e fazia sua reza no pé de uma árvore. Em algumas, deixava um coité pequeninho com cachaça e mel, em outras fumo de rolo picado na folha da bananeira.
Várias vezes ele parava e fazia sua reza no pé de uma árvore. Em algumas, deixava um coité pequeninho com cachaça e mel, em outras fumo de rolo picado na folha da bananeira.
O fazendeiro de cara amarrada, observou o velho acender o cachimbo e andar por todo o engenho. Parava nos cantos, pitava, rezava tão baixinho que não se entendia nada.
Quando terminou, embrenhou-se mata adentro e só retornou horas depois. Mandou tocar as máquinas, para espanto geral, tudo voltou a funcionar.
Quando terminou, embrenhou-se mata adentro e só retornou horas depois. Mandou tocar as máquinas, para espanto geral, tudo voltou a funcionar.
O fazendeiro ficou satisfeito, saímos de lá carregados de mantimentos. Meu avó veio calado todo o tempo.
Em casa, colocou os sacos na mesa da cozinha e minha avó aliviada, nem percebeu o quanto ele estava triste. A noite ia alta, sentado no tronco que fazia de banco debaixo do pé de Jurema, ele pitava:
Em casa, colocou os sacos na mesa da cozinha e minha avó aliviada, nem percebeu o quanto ele estava triste. A noite ia alta, sentado no tronco que fazia de banco debaixo do pé de Jurema, ele pitava:
-Que foi vovô ?
-Menino, vi muita maldade naquele lugar. Fiquei cansado de pelejar com os espíritos. O que fiz não vai durar muito não. Existe muita coisa ruim naquelas terras.
Dito e feito. Um mês depois meu avô foi chamado à fazenda, fez sua rezas , passou o dia inteiro no canavial e tudo voltou a funcionar. Desta vez o fazendeiro estava muito enfezado:
-olha aqui seu velho feiticeiro, mandei vir gente da capital e não acharam o defeito, você vem com sua mandinga e tudo volta ao normal? isso é coisa sua pra tirar seu sustento, vá embora daqui, e se minhas máquinas pararem mando dar uma surra de arrancar seu couro.
Meu avô não respondeu, voltamos de mão abanando e minha avó nada perguntou. Sentado no toco meu avô pitava, soltando a fumaça em direção à fazenda... no terceiro dia chegou a notícia que estava tudo parado.
Pior, o fazendeiro transtornado pelo ódio, quase havia tocado fogo no engenho.
Vinte e um dias sem produção. Meu avó parecia alheio ao falatório.
Nossa comida era mandioca cozida com sal e com sorte um ovo, todos estavam passando necessidades e não havia como repartir.
Vinte e um dias sem produção. Meu avó parecia alheio ao falatório.
Nossa comida era mandioca cozida com sal e com sorte um ovo, todos estavam passando necessidades e não havia como repartir.
A carroça parou na cancela do sítio e meu avô foi receber o fazendeiro.
Cabisbaixo, veio pedir ao velho para rezar suas terras. Trouxe café , melado, frutas e verduras como forma de agrado.
Cabisbaixo, veio pedir ao velho para rezar suas terras. Trouxe café , melado, frutas e verduras como forma de agrado.
O velho explicou ao fazendeiro que o lugar era muito assombrado, que havia espíritos de escravos revoltados e maus, presos ao canavial. Que ele havia conversado com muitos mas era um trabalho que levaria algum tempo, e que não podia fazer milagre.
O fazendeiro ficou calado, pensou, pensou, e fez a seguinte proposta:
O fazendeiro ficou calado, pensou, pensou, e fez a seguinte proposta:
-Façamos assim, o senhor vem toda semana visitar meu engenho. Dá um jeito nestes espíritos. Se minhas máquinas correrem, fico agradecido. E não vai faltar comida na sua mesa.
Assunto encerrado, voltamos a pé para casa.a noite caindo na mata assusta qualquer um, menos meu avô que ia pitando seu cachimbo risinho no canto da boca:
- vô, como o senhor vai tirar os espíritos do canavial?
- Menino, se eles forem embora como vou dar de comer à vocês? Fizemos um acordo... de vez em quando ponho uma cachacinha , mel e outras regalias, dou um engambelo e vamos tocando o engenho.
O velho alagoano viveu quase 100 anos, contando seus causos, benzendo a meninada e respeitando a Mata e o Povo da Floresta