CAUSOS DE INFÂNCIA - JORGE LÓ E O REI DOS PÁSSAROS.
JORGE LÓ E O REI DOS PÁSSAROS
Era Sexta-Feira Santa, dia de respeito e recolhimento, mas Jorge Ló não se importava com tais tradições. Era um homem teimoso e descrente, que ria das histórias do povo. Naquela tarde, pegou sua espingarda e seguiu para a mata, ignorando os avisos da vila.
— Jorge Ló, não se caça hoje! — alertou uma velha à beira do caminho. — Dia de santo não é dia de sangue derramado!
Ele apenas riu e continuou. O cheiro da terra molhada e o canto dos bichos o guiavam mais fundo na mata. Foi então que avistou um pássaro negro empoleirado num galho retorcido. Seus olhos brilhavam como brasas vivas. Jorge Ló levantou a arma, pronto para atirar, quando ouviu uma voz inesperada:
— Jorge Ló, não me mates! Sou o Rei dos Pássaros!
O caçador hesitou por um instante, mas logo zombou:
— Rei de nada! Rei de panela, isso sim!
O pássaro insistiu:
— Ainda é tempo de voltar atrás. Se me poupares, evitarás tua ruína!
Jorge Ló gargalhou e puxou o gatilho. O estampido ecoou na mata, e o pássaro caiu sem vida.
Satisfeito, ele levou a ave para casa, depenou-a, picou-a em pedaços, fritou-a na banha quente e devorou cada pedaço. Mas, ao engolir a última garfada, sentiu um aperto no estômago. Uma dor estranha crescia dentro dele.
Foi então que ouviu, vinda de dentro do próprio corpo, uma voz sombria:
— Jorge Ló... por onde saio?
Ele arregalou os olhos, sentindo o suar frio escorrer-lhe pela testa.
— Que feitiço é esse?! — gritou, cambaleando.
A dor se intensificava, e a voz repetia:
— Por onde saio, Jorge Ló?
Ele se contorcia, golpeando a própria barriga numa tentativa desesperada de silenciar aquele horror. Mas a voz não parava. Num último grito de agonia, Jorge Ló tombou ao chão. Sua carne se rasgou em um estouro terrível, e o pássaro negro emergiu de sua barriga, intacto, batendo as asas e desaparecendo na noite.
Nunca mais se ouviu falar de Jorge Ló. Mas dizem que, nas madrugadas de Sexta-Feira Santa, quando o vento sopra entre as folhas secas, ainda se pode escutar a voz soturna ecoando na escuridão:
— Jorge Ló, por onde saio...?
Obs.: Este é um dos causos que meus avós nos contavem em nossa infância.