MOLECOTE ASTUCIOSO

Na casa do senhor Nelson, mestre da banda sinfônica Lira de Euterpe, tem um pé de manga espada que anualmente fica carregado das frutas mais deliciosas de todas que você possa ter experimentado.

Essa qualidade excepcional faz com que a molecada na época de safra se torne frequentadora do quintal do maestro, que é bem grande, quase um sítio.

Ele normalmente distribui a safra com as pessoas mais chegadas, inclusive para aqueles menos afoitos que batem no portão pedindo autorização para apanhar as mangas maduras que caíram durante a noite.

Por diversas vezes ele já pediu que não atirem pedras nas frutas maduras a fim de não ferir as cascas das demais que ainda estão em processo de amadurecimento ou derrubar as flores dos ramos mais novos e também já proibiu terminantemente que subam no pé para evitar as quedas de terríveis consequências, uma vez que a madeira de pé de manga não tem resistência e pode se quebrar só com o peso das frutas.

De certa forma até que há entendimento entre as partes, mas há também aqueles que acham que fruteira carregada não tem dono e se consideram verdadeiros Tarzans, inigualáveis na arte de subir em árvores e que são capazes até de voar, se for necessário.

Quando o senhor Manuel dono da padaria, ficou sabendo que o filho enfrentara o mestre da banda com desaforos e palavrões ao ser surpreendido no alto da mangueira, deu-lhe uma surra das grandes, levou ele até a casa do mestre para pedir desculpas e como complemento do castigo, mandou o filho passar uma semana trabalhando de ajudante na seção de confeitaria. Então, o pasteleiro, aproveitando-se da ajuda extra, mandou que ele raspasse delicadamente as cascas dos limões que seriam usadas na decoração das iguarias que são admiradas por toda clientela e motivo de orgulho do senhor Manuel por produzir os melhores rebuçados da cidade.

Enquanto espremia os limões e depois com o cheiro forte da preparação do mousse do recheio de sonhos, bolos e demais iguarias, Avelino sentiu a boca cheia d’água. O mestre pasteleiro então lhe explicou que o ácido cítrico dos limões é estimulante na produção de saliva tanto que pessoas suscetíveis nem precisam experimentar, basta sentir o cheiro ou ver alguém com limão na boca para produzir verdadeiras cachoeiras de saliva.

Na tarde do domingo quando a banda estava se apresentando, Avelino diante dos músicos, sentado na grade do coreto da praça da igreja, lambia uma banda de limão e de vez em quando, espremia para deixar cair gotas do sumo na língua estirada fora da boca. Para desespero do maestro, a apresentação foi cancelada porque alguns deles não conseguiram fazer soar os instrumentos de sopro.