MULA CAOLHA

Os pais de Kroomt construíram uma casa na beira da estrada com a intenção de estabelecer ali um bolicho bem sortido para atender os pioneiros que viviam na floresta e os transeuntes que se deslocavam por aquela via de terra batida.

Os finais de semana eram dias difíceis, pois os matutos se reuniam na venda à procura de diversão, naquele lugar ermo além da caçada e da pescaria, somente havia o jogo de sinuca, cachaça pura, cerveja quente e jogo de dominó. Kroomt era muito pequeno quando obedecia às ordens do seu para enterrar garrafas de cerveja na areia do fundo do riacho gelado. Os peões pagavam mais caro pela bebida resfriada durante toda a noite, no final do dia todos partiam muito embriagados em suas montarias para vencer as agruras da selva bruta.

Era uma manhã de domingo quando um homem pequeno despertou da ressaca saindo do celeiro, ele virara a noite bebendo e jogando com seus companheiros que também não conseguiram voltar para casa. Logo de manhã o homem pequeno conhecido por “Cuia”, arrastou sua montaria pelo cabresto até o outro lado da estrada de terra vermelha, era uma mula muito arisca que não gostava de carregar pessoas embriagadas. O matuto passou a agredir o animal com uma vara, Kroomt assistia a violência sem poder fazer nada, então o agressor desferiu um forte golpe na cabeça do animal que cambaleou ao ponto de perfurar o olho direito em uma estaca afiada de madeira na beira da mata. A mula cedeu a montaria depois da dor causada pelo ferimento que lhe arrancou a visão.

O pai de Kroomt surgiu do milharal e derrubou o cavaleiro no solo, depois aplicou uma surra violenta no agressor e o fez jurar que cuidaria daquele animal até o fim dos seus dias. A mula caolha nunca mais trabalhou no serviço da lida roceira, ela desfrutou da liberdade naquelas paragens até morrer de velhice. Kroomt se tornou adulto, porém aquela cena nunca foi apagada de sua mente.